Filósofo, doutor em literatura latino-americana pela Universidade de Nova York (NYU), crítico de arte, escritor e professor da Universidade da Pensilvânia – assim é o argentino Reinaldo Laddaga. A convite dos departamentos de Letras e de Artes, ele esteve na PUC de 11 a 15 de setembro, para realizar o curso Después del Posmodernismo – La Formación de Otra Cultura de Las Artes e a palestra Improvisaciones y Espetáculos, Narrativa Latinoamericana Reciente. Em entrevista concedida ao JORNAL DA PUC, Laddaga falou sobre a renovação pela qual passa o trabalho do artista e do escritor na era da globalização.
JORNAL DA PUC: Em seu mais recente livro, Estética de la Emergencia, o senhor defende a idéia de que a arte passa atualmente por um processo de reorientação. Como isso acontece?
Reinaldo Laddaga:
Estética de la Emergencia é uma tentativa de analisar uma série de projetos realizados por artistas latino-americanos, norte-americanos e europeus nos últimos dez anos. Esses artistas propõem plataformas nas quais grupos de pessoas colaboram, por períodos prolongados, em projetos nos quais são produzidos textos, imagens, arquiteturas, e que intervêm em espaços urbanos. Esses projetos são o que se chama de "comunidades experimentais". Creio que um grande número de artistas hoje está mais interessado em disseminar as "comunidades experimentais" do que em produzir individualmente obras de arte.JP: Em sua palestra Improvisaciones y Espetáculos, Narrativa Latinoamericana Reciente, o senhor associou o livro à performance. Será que outras modalidades de obra de arte contemporânea, como instalações, também podem se aproximar da literatura?
Laddaga: Com certeza. Nos últimos tempos, existe uma tendência dos escritores de produzir textos que sejam registros de performances. As performances também encontram paralelo no cinema, especialmente nos filmes do cineasta português Pedro Costa, do indonésio Apichatpong Weerasethakul e do norte-americano David Lynch. Mas a referência básica ao se relacionar outras modalidades artísticas com as artes plásticas é a instalação. Alguns escritores pensam hoje em escrever livros tal como se fossem instalações: espaços para serem percorridos, e não somente linhas para se ler.
JP: Quais são os seus próximos projetos?
Laddaga: O meu próximo livro chama-se Espetáculo de la Realidad e fala sobre reality shows. Atualmente estou trabalhando em um livro em inglês no qual tento analisar alguns projetos de arte e de literatura contemporâneas e sua relação com certos modelos de produção econômica, como o software livre. Tenho a impressão de que há muitos artistas recentes que seguem modelos de produção artística paralelos a modelos de produção científica e econômica. O livro no qual estou trabalhando agora é uma tentativa de analisar a lógica de certos processos artísticos e sua relação com outros processos.
JP: Processos artísticos que contemplem todas as artes, e não apenas a literatura?
Laddaga: Recentemente, os projetos artísticos mais interessantes são transdisciplinares. Incluem literatura, música, e filmes. Creio que a época das produções artísticas tradicionais, que se realizavam em apenas um meio, está ultrapassada. Um exemplo disso foi o lançamento no Brasil do projeto Falcão, de MV Bill e Celso Athayde, que envolve filme, livro e música. É um modelo de transdisciplinaridade, um projeto que dá lugar a manifestações em vários domínios. Isso apresenta um desafio para nós, críticos de arte, que somos formados em uma tradição disciplinar.
JP: Por que há essa tendência à transdiciplinaridade?
Laddaga: Se, por um lado, exige-se cada vez mais a especialização do homem, por outro demandam que ele estabeleça modos de conexão entre diferentes domínios. Por isso, tenho a impressão de que os projetos mais interessantes tendem a ser transdisciplinares. Isso implica, ao mesmo tempo, uma grande capacidade de produção técnica em um meio e uma capacidade de conexão entre os diferentes meios. Acredito que as produções tendem a ser mais colaborativas.
JP: Que papel o livro desempenhará no futuro? O senhor acredita que ele tende a ficar obsoleto?
Laddaga: Creio que o livro continuará a existir por um longo tempo, mas acredito que ele tenha deixado de ser o único formato legítimo para a comunicação de saber ou de linguagem. Nos últimos dois séculos, o livro se consagrou como o meio central nas práticas literárias. Mas acredito que isso não vá mais continuar. Tenho a impressão de que vivemos em uma época de transição. O livro tem virtudes que nenhum outro meio tem, por isso continuará existindo, mas há outros meios que possibilitam outras práticas. E não vejo como essas práticas não continuarão a se desenvolver.
Edição 177