Rodrigues enxerga a segurança
pública de maneira diferente
Formado em Direito e mestre em Antropologia pela UFF, Robson insiste na necessidade do diálogo. Com as UPPs, ele enxerga a possibilidade de a polícia deixar de fazer um trabalho agressivo, antipático e repressor. Nasce, assim, a figura de um profissional que busca a paz, mas que caminha na direção da conciliação. Um Capitão Nascimento às avessas.
O coronel Robson Rodrigues será um dos palestrantes do painel Documentário, ficção e vida cotidiana, que faz parte das atividades do 7º Muticom. O encontro será na terça-feira, 19, das 9h às 12h, no Ginásio da PUC-Rio. Também participarão o jornalista Marcelo Canella e os cineastas Carlos Diegues e Moira Toledo, da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP).
Como o senhor analisa o trabalho das UPPs?
Robson Rodrigues: Pelos primeiros objetivos propostos, faço um balanço bem positivo. É lógico que, pelo fato de a UPP ter sido diferente de outros programas, ela começa com uma prática que se consolida e se legitima. E, agora, começa a se transformar em um conceito. Ela não nasce de um conceito para depois ser praticada. Começa de uma prática, de uma demanda de policiamento no Dona Marta. Há a necessidade de que esse conceito não seja muito aprisionador, não seja uma camisa de força.
É essa a atividade que a polícia deveria estar desenvolvendo, se estivéssemos vivendo em situação normal. Mas não estamos, nem estávamos. Ou seja: uma atividade que tivesse por pressuposto a prevenção e, eventualmente, a repressão, mas uma repressão qualificada. E uma atividade na qual a população tivesse uma participação efetiva. Avalio a UPP como exitosa nesse primeiro momento de recuperação desses territórios. Mas é como o secretário Beltrame diz: ela só vai ser definitivamente exitosa a partir do momento em que esses territórios forem de fato reincorporados ao tecido social da cidade.
É a hora, então, de ampliar os investimentos sociais nas comunidades?
Robson: Qual é o pressuposto do Estado democrático de direito? Primeiro: uma ordem democrática consensual, onde haja deveres e benefícios – viver com segurança, ter serviços de qualidade ou com uma qualidade igualitária. Coisa que no Brasil, principalmente no Rio de Janeiro, a realidade diz que não é assim. A ideia é levar os benefícios da ordem para esses lugares. O primeiro é a segurança. Depois, são esses benefícios de ordem social, concedidos e consagrados pela Constituição, que todo cidadão deveria, em tese, ter. A sociedade tem que abraçar essa causa. Tem que reintegrar a favela e entendê-la como algo que tem diferenças, variações de ordem cultural, mas que é um patrimônio cultural da cidade. O Rio de Janeiro perde parte de identidade se abrir mão das favelas.
A sociedade ainda não entendeu isso?
Robson: Há uma parcela da sociedade que é muito conservadora. Muito elitista, preconceituosa. Esse pensamento tende a um afastamento, com a criação desses muros simbólicos de um apartheid social, pelo preconceito, pelo estigma que se desenvolve. Interessante é o amadurecimento democrático, enquanto sociedade, de entender que se ela não for igual e justa, tende-se a perder. Infelizmente, foi pela dor que entendemos isso. A dor da bala perdida. A dor dessa criminalidade mais violenta que espirra para fora dos muros simbólicos de contenção.
Hoje, com a UPP, temos a possibilidade de retornar à nossa vocação originária. Um papel simpático, porque atende a essas comunidades de forma igualitária, democrática, cidadã, respeitosa. Isso é fundamental. A sociedade tem que entender que isso é interessante. A polícia tem que entender que essa é uma nova prática. Tem que entender que a população é parceira e precisa ser parceira, porque a polícia sozinha não vai dar conta de tudo. Os empresários têm que entender essas favelas não como problemas, mas como potenciais soluções. Pessoas podem ser qualificadas e inseridas no mercado de trabalho, fazendo com que a renda seja um pouco melhor distribuída.
Como é a relação dos policiais com a população das comunidades?
Robson: Passamos muito tempo construindo a ideia de que fazer polícia é ser repressivo. É adrenalina, emoção. É a arma, o tiro. O que queremos é fazer uma polícia de caráter preventivo em que você utiliza outros instrumentos que não uma arma de fogo. Você pode até usar a arma de fogo, mas ela deve ser entendida como último recurso. Mas o pavor e a histeria no Rio de Janeiro eram tão grandes que o policial logo achava que deveria estar toda hora usando a arma. Isso é um risco, um perigo. Hoje, estamos redesenhando tudo, para fazer com que o policial possa entender que o diálogo é a primeira e principal ferramenta de trabalho. Ele deve saber ouvir, falar, sentir, dialogar. Há ambientes em que isso foi destruído. Estamos em fase de reconstrução.
A Igreja pode ajudar nesse processo de reconstrução?
Robson: A Igreja tem ajudado nesse trabalho, mesmo que talvez sem saber. Os valores da sociedade ocidental cristã são muito fortes. Até mesmo dentro de uma cultura de construção de um ethos guerreiro e criminoso do bandido, há uma valorização da família, do filho, de Deus. As letras dos “funks proibidões” podem desvalorizar tudo que a ordem e o Estado representam, mas a Igreja não. A Igreja é uma aliada fundamental. O cristianismo é muito forte. Podemos verificar que mesmo nesses locais mais conflagrados, onde várias pessoas são expulsas, onde a polícia não pode entrar, onde o Estado não entra e tem medo de entrar, a Igreja está lá. Na maioria das vezes, os espaços da Igreja não são dessacralizados, nem profanados por tiros. São respeitados. A Igreja ajuda no processo de humanização das relações.
Como a polícia lida com as manifestações culturais das comunidades, como o próprio funk?
Robson: O ideal é que tivéssemos policiais que fossem perfeitamente livres de preconceitos e que entendessem que a variação cultural é uma realidade. É interessante que seja assim. Senão, viveríamos em uma monotonia. Porém, é lógico que o policial muitas vezes está participando de uma cultura que desenvolveu traumas e construiu representações preconceituosas no passado. É de lado a lado: de cá pra lá e de lá pra cá. O ideal é que o contato possa ser de desconstrução desses estereótipos que um tem em relação ao outro – que a polícia tem em relação à comunidade e que a comunidade tem em relação à polícia. É um processo lento, mas que tem caminhado de uma forma muito interessante. É um trabalho prático, político, mas também simbólico: tentamos mexer com o sistema de valores, fazendo com que o policial entenda que essas manifestações são apenas diferenças. Não quer dizer que é o bem contra o mal – essa coisa maniqueísta que muitas vezes vem, também, da ideologia militar. Temos que desconstruir isso e entender que o mundo é uma variação que é interessante para a gente.
A formação acadêmica ajuda no exercício da função de comandante das UPPs?
Robson: Ajuda bastante porque qualifica meu olhar e meu processo de decisão. Não estamos em um mundo que só tem policiais e pessoas da segurança pública. É interessante pensar a segurança pública do mundo acadêmico. Estou em circuito de gestores de segurança pública, mas também estou no circuito acadêmico. São duas coisas que se complementam. A diferença é que tenho uma possibilidade que o acadêmico talvez não tenha. Sou participante disso tudo.
O policial não pode estar fechado em dogmas,
Como é o processo de escolha das comunidades que recebem as UPPs?
Robson: Precisamos fazer isso nas que têm problemas mais sérios. Até 2014, teremos 12 mil policiais para as UPPs. Quantas comunidades poderemos ocupar com esses policiais? Os planejadores elencaram 170 favelas. Sim, é verdade que temos cerca de mil favelas. Mas são escolhidas as mais problemáticas e as mais adequadas dentro do que pretendemos fazer. O governo colocou tudo dentro de um plano. Depois, é outro governo. Não adianta querer fazer um apartamento se só temos dinheiro para a cozinha. Sabemos, hoje, todas as favelas que vamos ocupar até 2014. Teremos cerca de 40 UPPs.
A Rocinha está na lista?
Robson: Está. É uma das mais importantes com atividades criminosas. A gente acredita que, no futuro, a polícia tenha se modificado o suficiente para poder atender às outras comunidades, que vão estar mais enfraquecidas no sentido criminoso. Os próprios batalhões poderão fazer essa polícia de proximidade. Não vai precisar de uma UPP. O Batalhão da Tijuca, por exemplo, não vai ter nenhuma favela para ficar despendendo seus recursos para atuar de forma repressiva como antes, que era um trabalho mais caro, pois repressão custa mais.
As UPPs estão fazendo com que filmes como Tropa de Elite tornem-se, definitivamente, ficção?
Robson: A Tropa de Elite é uma tropa para atuar em situações especiais. Mas, quando começa a entrar no imaginário como se fosse o fazer necessário da Polícia Militar, a única possibilidade de vencer o inimigo – essa coisa maniqueísta –, você tem uma situação caótica, porque é o especial se transformando no ordinário. Você acaba com a Polícia, com tudo que se tem, e vai criar um grande Bope para poder lidar com todos esses problemas, como se a coisa fosse simplista assim. Não é. Quanto menos Bope e mais UPP, melhor. É um sinal de volta à normalidade. O que o filme mostra também, por outro lado, é uma aprovação por parte da sociedade, uma identificação, principalmente pelo primeiro filme. É essa situação caótica, de medo muito grande, que faz com que as pessoas aplaudam o filme – como se cada um, na sua impotência, pudesse se projetar
Edição 244 - Especial Muticom