a mesa para discutir obra de Gianfrancesco Guarnieri
Baseado na primeira peça de Gianfrancesco Guarnieri, o filme Eles não usam black-tie, de 1981, foi exibido no último dia do 7º Mutirão Brasileiro de Comunicação (Muticom), no auditório do RDC. Atores como Fernanda Montenegro, Bete Mendes e Guarnieri faziam parte do elenco do longa-metragem, que ganhou o Prêmio Margarida de Prata da CNBB de melhor filme, em 1982.
No momento do debate, os participantes foram surpreendidos pela presença do ator Milton Gonçalves, cujo personagem protagoniza uma das mais emblemáticas cenas do filme. O ator, pela segunda vez na PUC-Rio, dividiu a mesa com o pesquisador Flávio Kactus e emocionou-se ao rever o trabalho que lhe rendeu grande sucesso de crítica. Milton lamentou a perda de amigos com quem contracenou em Eles não usam black-tie, como Francisco Milani e o autor Gianfrancesco Guarnieri, por quem confessou imensa admiração e apreço.
Milton, que também participou da montagem teatral, contou o percurso da peça até o cinema. Ele comentou a importância do Teatro de Arena, onde tudo começou, e relembrou “bons tempos”. “Lá, marcamos presença no tempo e no espaço. O Teatro de Arena é responsável por tudo o que faço até hoje, seja na televisão, no cinema ou nos palcos”, disse. O ator aproveitou para contextualizar o período histórico do filme e falou sobre as pressões da ditadura na época da estreia.
Em resposta à pergunta de um dos participantes, Milton relacionou o início da carreira à questão da luta negra no Brasil. Ele contou o episódio de quando foi barrado, aos 18 anos, ao tentar entrar em um clube na capital paulista. “Questionei se sabiam que eu poderia chamar a polícia para fechar o lugar por serem racistas. O diretor, então, me respondeu: ‘E você acha mesmo que vão fechar o meu clube por sua causa?’ Isso me transformou num monstro, eu passei a odiar a humanidade. Esse ódio só passou quando eu conheci o teatro, aí a minha vida mudou”, confessou.
O ator chamou a atenção para os rumos do movimento negro e, muito emocionado, destacou a educação como principal instrumento de igualdade: “Estudar, ler, dominar a cultura, conhecer a arte. Essa é a melhor forma de inserção sem humilhação. Temos que invadir as universidades, nos organizar politicamente, recontar a história do Brasil. Não há motivo de vergonha, temos é que participar.”
Formado em jornalismo e contratado da Rede Globo desde 1965, Milton Gonçalves falou com entusiasmo sobre o que é ser ator. “Como profissional, quero produzir as melhores coisas. Eu já fui doutor, escravo, rei. Eu quero é personagem, não personalidade”, afirmou Milton, “Sou negro e sou brasileiro. O que eu gostaria de levar para o palco é o meu povo”.
No Rio há mais de 50 anos, o artista mineiro admitiu a preferência pelo teatro e destacou obstáculos da produção cinematográfica no país. “Agora, estou em quatro produções diferentes. Mas fazer filme no Brasil é muito difícil, muito caro. Nada garante sucesso e ainda competimos com os milionários projetos norte-americanos”, disse.
Plantão - Edição 244 - Especial Muticom