Com vinte e seis anos de experiência, e sete vezes campeão do carnaval, três pela escola de samba Beija-Flor de Nilópolis, o carnavalesco Alexandre Louzada encontra a arte na Mocidade Independente de Padre Miguel. No carnaval de 2012, o enredo da escola verde e branco é o pintor Cândido Portinari. “Por ti, Portinari da tela para a realidade” é uma homenagem aos 50 anos de morte do artista.
E a Mocidade não perde tempo. O barracão está cheio de amostras de tecidos, e 15 funcionários chefiados por Louzada trabalham minuciosamente na confecção de fantasias. Trabalhos que vão brilhar no domingo, dia 19 de fevereiro. A Mocidade será a quarta escola a se apresentar na passarela do samba, por volta de 0h15m, com 42 alas, oito carros alegóricos e três tripés.
Candido Portinari pintou cinco mil telas, e o Brasil é representado na grande maioria. Levar para a Avenida Marquês de Sapucaí um pintor como “Candinho” exige criatividade. Com a pesquisa afiada e resposta na ponta da língua, o carnavalesco conta que captar o sentimento do pintor é um dos desafios deste trabalho.
– Eu peço licença para interferir na obra e romper para a realidade. O que a gente pretende não é retratar fielmente o que ele pintou, mas o sentimento que ele imaginou ao pintar o mestiço. Por exemplo, no quadro O café, a gente associa, na mesma fantasia, o fruto, a planta e o colhedor. Para isso, nós criamos mais de 20 estampas com uma decupagem para inserir na fantasia – explica Louzada.
Além de estampas que lembram as pinturas, a Mocidade vem com outro efeito especial para a avenida: o aroma de café, que lembra o quadro O Cafezal. A inspiração veio de uma visita do carnavalesco ao museu Casa de Portinari, em Brodowski.
– O que eu acho que vai dar essa identidade, principalmente para quem vive no interior, é o cheiro de café torrado, isso a gente vai colocar na avenida. Existe, na casa dele, no museu Casa de Portinari. Quando a gente entra no lugar, a gente sente o cheiro de café – conta.
Segundo o carnavalesco, o pintor tem uma relação com a escola de samba. Para Louzada, a Mocidade tem o espírito que Portinari retratou em seus quadros. Ele compara a pouca visibilidade da escola, e até a distância de Padre Miguel, com o quadro Os retirantes:
– A Mocidade é uma escola mais distante do Rio de Janeiro, e quando vem para o carnaval é como se fosse Os retirantes. Por ele ser uma pessoa que retratava o social, esse também é o retrato da Mocidade. Um povo que é trabalhador, que não é tão visto pela sociedade, uma escola que luta com dificuldade para colocar o carnaval na avenida. Esse espírito guerreiro, que retrata o Dom Quixote, e também brincalhão, parece com o dos jovens da Mocidade – compara Louzada.
O emblema da escola de samba, a estrela da Mocidade Independente, também faz parte das coincidências apontadas pelo carnavalesco. O primeiro emprego de Portinari foi como ajudante de artistas italianos que restauravam pinturas de igrejas. Na época, Candido Portinari tinha 9 anos e pintou as estrelas da igreja de Brodowski. Esse dado não escapou aos olhos de Louzada, que brinca:
– Nós imaginamos que, hoje, a morada de Portinari seja o céu e sua grande tela, o firmamento. Por tantas estrelas que pintou, que ele pintasse por nós a nossa estrela: a estrela de Padre Miguel. Em troca, nós da escola, seríamos os seus personagens, seus lavradores, desbravadores, heróis, tudo aquilo que o pintor social retratou na sua vida.
João Candido Portinari, filho do artista e diretor do Projeto Portinari, foi duas vezes ao barracão da escola apresentar um pouco da vida e obra do pintor. João Candido comenta que se emocionou nos dois dias, quando 60 compositores da Mocidade ficaram na palestra para ouvi-lo.
– Chorei as duas vezes na frente de todo mundo, inclusive dos jornalistas – conta.
Os painéis Guerra e Paz encerram o carnaval da Mocidade. Segundo Louzada, a ideia é tratar dessa oposição de uma forma ampla.
– A guerra e a paz existem no próprio carnaval: a guerra de folia, de beleza, e a paz que reina para aquela que vence. Nós faremos o nosso próprio Guerra e Paz, com o desejo de que ele se estenda para todos.
Edição 246