Ver de perto a realidade do sertão nordestino, acompanhar uma superprodução para a televisão e conversar com um dos maiores escritores da literatura brasileira. Parece a trajetória de um jornalista profissional, mas foram estagiários da TV PUC que viveram esta história. O sol escaldante do Nordeste não desanimou os estudantes que tiveram a oportunidade de ir a Taperoá, na Paraíba, ver os bastidores da nova microssérie da TV Globo, A Pedra do Reino, dirigida por Luiz Fernando Carvalho, com produção independente da Academia de Filme.
Baseada no romance de Ariano Suassuna, a microssérie vai contar a história mítica de Dom Pedro Diniz Ferreira Quaderna, ao relembrar a sua vida sertaneja após ser preso pelo Estado Novo. A Pedra do Reino é a primeira produção do projeto Quadrante, que pretende fazer um resgate da cultura popular do Brasil, com exibição de duas séries por ano. A produção segue o estilo artesanal de Hoje É Dia de Maria, também dirigida por Carvalho, e terá de quatro a oito capítulos, com estréia prevista para junho de 2007.
Durante três dias, os estagiários da TV PUC acompanharam a preparação para as gravações, observaram as mudanças que a produção está causando na vida dos moradores de Taperoá e conversaram com o diretor e o elenco da série e com o escritor Ariano Suassuna. Os bastidores e as curiosidades desta produção poderão ser vistos em um especial de uma hora, que vai ao ar no domingo, 17 de dezembro, às 21h, pela TV PUC (UTV-canal 16 da NET).
Mota e Bernard Nagel, chefe de pós-produção
Márcia Antabi e repórter Heloise Ornelas
A cidade
Taperoá, cidade onde o escritor Ariano Suassuna viveu até os 15 anos, é o cenário escolhido por Luiz Fernando Carvalho para filmar sua microssérie. A quase 220 km de João Pessoa, capital paraibana, a cidade tem apenas 13.500 habitantes. Com a chegada da produção, que está há mais de um mês no local, muitos moradores alugaram suas casas para hospedar a equipe de 200 pessoas, que ocupa quase uma rua inteira.
sua casa, incorporada ao cenário
Quem está aproveitando ainda mais a incomum agitação são as crianças. As brincadeiras de roda e a correria na praça foram substituídas pela curiosidade pelos objetos da equipe de gravação. Uma cena que se tornou comum na cidade foi ver a criançada mexer nas câmeras fotográficas digitais da produção. A equipe não pensou duas vezes em deixar a meninada conhecer a máquina, e poder ver sua própria imagem na hora.
da igreja para ver o palhaço Xuxu
A mudança na rotina do lugar não parou por aí. Muitos taperoaenses trocaram de função para participar da produção da microssérie. A professora Maria José Ramos Vilar trocou o giz pela agulha,
E quando chegar o fim?
O movimento que entretém seu Salatiel vai acabar após o fim das gravações. Mas as lembranças continuarão. Segundo Luiz Fernando Carvalho, Taperoá não será mais a mesma cidade. "Nós estamos trabalhando para que Taperoá continue valorizando seus talentos, queremos montar aqui um centro cultural para que os artesãos que trabalharam na microssérie possam continuar produzindo artisticamente", conta o diretor. A proposta da equipe é construir o centro cultural A Pedra do Reino, na antiga casa de Suassuna, ou na cidade cenográfica, em uma igreja que foi montada para sobreviver ao tempo.
Uma verdadeira aula
Diferentemente da maioria das produções televisivas, A Pedra do Reino ofereceu uma "aula" a sua equipe. No núcleo de artes da microssérie, o artista plástico cearense Raimundo Rodriguez ensinou os artesãos a transformar sucata em arte. Na criação politicamente correta de Raimundo, latas de óleo se tornam armaduras, que irão fazer parte da indumentária da série.
Os atores também aprenderam com a série. Luiz Fernando Carvalho reuniu o elenco para participar de oficinas e palestras. O ator Ricardo Blat treinou os atores na interpretação e a atriz Mônica Nassif ajudou a equipe na expressão corporal, com aulas de dança do ventre. Um mês antes de iniciar as gravações, a equipe já estava concentrada em um galpão, ensaiando.
Para a atriz Mayana Neiva, a preparação foi essencial. "Este trabalho é muito importante, porque a gente instaura um universo mítico e todo mundo passa a pisar no mesmo chão, com o mesmo passo, ouvindo a mesma música", afirma. Segundo o ator Lázaro Machado, a proposta do diretor auxilia o ator a compreender o personagem e fugir da realidade. "Os personagens não são realistas. Isso faz com que a gente saia da nossa vida e vá para um universo de sonhos", diz Lázaro. O diretor participa intensamente dos ensaios e das oficinas. Para Lázaro, a participação de Luiz Fernando é fundamental. "Eu me sinto como se estivesse na mão de um mago", brinca o ator.
Mas a equipe teve uma aula ainda mais importante. A oportunidade de encontrar um consagrado autor da literatura brasileira é rara, mas foi o que aconteceu, no galpão de ensaio da microssérie. O elenco e a equipe de criação de A Pedra do Reino participaram de um encontro com Suassuna, que deu dicas aos atores e explicou a essência de cada personagem. Para o ator Irandhir Santos, que será o protagonista da microssérie, o encontro com Suassuna foi emocionante e o ajudou a compreender Quaderna.
O reino de Suassuna
Luiz Fernando transformou as mais de 600 páginas do livro de Suassuna em cinco capítulos de uma microssérie. O Romance d´A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta , de 1971, não havia sido finalizado mas, através da série, o autor se animou e resolveu dar um desfecho à obra. Após 35 anos da publicação de A Pedra do Reino, Suassuna presenteou Carvalho com o final de seu romance, escrito a mão, em folhas de papel almaço. Para o diretor, o ato foi mais que um presente. "Foi uma emoção muito grande receber a obra finda, quase quarenta anos depois", diz. E para alegrar ainda mais a equipe da microssérie, Suassuna declarou o seu amor à obra. "Se me dissessem que tudo que eu escrevi seria destruído e eu só pudesse salvar uma obra, eu escolheria A Pedra do Reino", confessou o escritor.
Diário de viagem
Ficamos hospedados na fazenda Carnaúba, a 7 km de Taperoá. A fazenda pertence à família de Ariano Suassuna e tem mais de 5 mil hectares. O que mais nos impressionou no lugar foi o contraste entre o sol escaldante da manhã e o vento frio da noite. O barulho do mar em pleno sertão nos despertou curiosidade. Descobrimos que o som forte do vento lembrava o barulho das ondas.
Em Taperoá, fazíamos praticamente tudo a pé, e mesmo com a correria para aproveitar o máximo das produções, o ritmo lento do local nos contagiou. O silêncio e a tranqüilidade das ruas nos fazia esquecer da hora. Em muitos momentos, parecia que só havia a equipe da microssérie no lugar. A cidade ficava vazia quase o dia inteiro e só se ouvia o som dos atores e artesãos da produção. Com o pôr-do-sol, no fim da tarde, os moradores saíam de suas casas e colocavam cadeiras na calçada para observar o movimento. Os taperoaenses foram uma "microssérie" à parte. O povo de Taperoá é extremamente simpático e solícito, a alegria é contagiante. Ser convidado para tomar café na casa de alguém é uma situação freqüente.
Jornal da PUC - Edição 180