Um pote com argila remexida por diversas pequenas mãos que constroem imagens reveladoras do cotidiano conturbado de uma comunidade carente. A cena, que poderia ser o retrato de uma sala de Educação Infantil pública, é vista uma vez por semana em uma casa branca localizada dentro da Vila Parque, no alto da Estrada da Gávea, e faz parte do Projeto Pipa (Produções do Imaginário e Psicologia Aplicada). Ao contrário de uma escola de artes, a argila é material principal para o trabalho psicológico realizado por uma equipe de alunos da PUC com crianças da região.
Criado pelo professor Álvaro Gouvea, do Departamento de Psicologia, o Pipa atende crianças, entre 7 e 12 anos, que são divididas em três turmas de até seis crianças para sessões semanais. A metodologia do projeto é baseada no livro Sol da Terra: o uso do barro como psicoterapia, do professor Álvaro Gouvea, especialista no uso da argila como instrumento de trabalho em psicologia.
Os encontros são divididos em três etapas. A primeira envolve o domínio do corpo, do peso e do equilíbrio. Na segunda etapa, os assistidos fazem exercícios de respiração. Por último, vem a atividade de livre expressão: as crianças recebem um tema e moldam na argila a situação que desejam contar.
Segundo o professor Álvaro, as sessões, com duração de uma hora e meia, começam com as crianças sentadas em círculo para que falem o que desejarem. O tema é livre e, se a criança mais velha apresentar um tema mais elaborado, os monitores tornam a conversa mais acessível para os menores. “Nessas conversas iniciais, sempre são temas recorrentes a morte, o medo, os filmes de terror, o filme Pânico, aí vem a faca, o sangue, e o bate-papo entra na realidade deles, que é a favela”, contou.
As crianças são levadas pelos pais, que recebem a recomendação das escolas. Segundo o monitor do projeto Marco Antônio Silva, os casos mais comuns são de hiperatividade e timidez excessiva, ou de vítimas de algum trauma típico de comunidade carente. Geralmente, o tratamento dura um ano, mas algumas crianças permanecem mais tempo, e outras ficam menos.
– A intenção é que essas turmas se tornem uma família para a criança. A gente quer que elas se sintam à vontade aqui. Aqui é um espaço de liberdade para elas. Nós procuramos compreender o comportamento delas e fazê-las entendê-lo também – disse Marco.
Com a recente ocupação da Rocinha pela Polícia Militar do Rio de Janeiro, há uma proposta de levar o Projeto Pipa para aquela comunidade a partir de 2012. O primeiro passo será conseguir locação na Rocinha para implementar o Pipa Férias, um workshop para as crianças experimentarem como funciona o projeto, em janeiro. Na comunidade Vila Parque, o Pipa funciona, desde 2008, na sede do Projeto Parque Vivo, que fornece aulas de inglês, de reforço escolar, de esportes e de culinária para crianças da comunidade.
Além de ajudar as crianças, o Pipa também serve de aprendizado para os alunos do curso de Psicologia da PUC-Rio. Os matriculados na turma de Estágio II, ministrada pelo professor Álvaro, têm a oportunidade de estagiar no projeto e, no contato com as crianças, pôr em prática o que aprendem na sala de aula.