Depois de quarenta dias de angústia, de brincar com a paciência de pais e amigos com os inúmeros cancelamentos de vôos da Força Aérea Brasileira (FAB), finalmente chegamos à sonhada região amazônica, mais precisamente a Manaus, capital do maior estado do país, o Amazonas. O atraso se deu pelo número reduzido de vôos com tripulantes para a região, pois o transporte de carga e equipamentos é prioridade da FAB.
O grupo selecionado para participar do projeto Unicom Amazônia, organizado pela Coordenação Central de Estágios e Serviços Profissionais (Ccesp) é composto de oito alunos de diversas áreas: Jornalismo, Geografia, Psicologia, Engenharia Ambiental, Direito. Os estudantes chegaram à região no dia 14 e 16 de setembro, para desenvolver projetos sociais e pesquisas em diferentes entidades da Arquidiocese de Manaus no período de três meses (seriam quatro, mas com o atraso no vôo....).
Durante o estágio, os alunos são supervisionados por orientadores que estabelecem prazos e definem a área de estudo e trabalho, mas o diálogo é aberto e as sugestões são sempre bem-vindas.
Aluno do 8º período de Geografia, Francisco Schnoor, o Chico, é fundador da ONG Moleque Mateiro (www. molequemateiro.com.br), no Rio de Janeiro, que trabalha a conscientização ambiental de crianças e adolescentes, organizando caminhadas ecológicas pelas trilhas da cidade. Chico aproveita a sua experiência para trabalhar com jovens carentes de Manaus as questões do meio ambiente, enfocando os temas lixo, reciclagem e biodiversidade. Ele pretende organizar uma cartilha, abordando a temática de preservação e conscientização ecológica.
Outro aluno que está aperfeiçoando seus conhecimentos com o estágio é Marcus Valverde, do 8º período de Direito, ex-coordenador da ONG Consciência Cidadã na PUC-Rio.
– Temos a oportunidade de entrar em contato com uma realidade bem brasileira, mas, ao mesmo tempo, temos a visão das injustiças sociais. O contato com a região amazônica nos dá uma perspectiva para pensar a questão social e os direitos humanos através de uma visão ambiental, explica Marcus, que está trabalhando com uma pesquisa sobre a proteção ecológica no entorno da BR-319, que liga Manaus a Porto Velho. Em seu projeto, Marcus analisa as unidades de conservação e os corredores ecológicos dessa região sob o prisma do Direito Ambiental.
Nem tudo são flores nessa região de matas infinitas (ou nem tanto). Roberto Soares, aluno do 6º período de Jornalismo, trabalha diretamente com a população carente, atendendo menores infratores e em fase de risco, ou seja, faz um trabalho que não está diretamente ligado à sua área acadêmica.
– No primeiro dia, atendi um garoto que me olhou dos pés à cabeça, e logo ele me perguntou se eu era do Rio. Respondi que sim e ele quis saber se eu conhecia o Zé Pequeno, pois eles idolatram o crime do Rio de Janeiro. No final, o garoto falou que tinha acabado de roubar um tênis igual ao meu, conta Roberto.
Um passeio pela Amazônia
Nessa incrível experiência, temos a oportunidade de conhecer os áreas longínquas do Brasil, através das ações do Exército Brasileiro. Por aqui, a instituição tem um trabalho admirável, que vai da proteção das fronteiras à geração de uma infra-estrutura básica de apoio às populações locais mais desassistidas.
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Ferrovia Madeira-Mamoré – Começamos nossa viagem pelo sul da Amazônia, na capital de Rondônia, Porto Velho, que teve a sua história retratada na minissérie da Rede Globo Mad Maria. A cidade é pura história, vemos próximo ao rio Madeira a estrada de ferro Madeira-mamoré, construída no início do século XIX, em decorrência de um tratado entre o Brasil e a Bolívia, a fim de permitir que o país vizinho escoasse seus produtos rumo ao Atlântico.n
Forte Príncipe da Beira, uma relíquia histórica – A sudoeste do estado de Rondônia, na divisa com a Bolívia, fica a localidade de Príncipe da Beira, em que há uma preciosidade histórica: o forte de mesmo nome, cuja construção foi iniciada pelos colonizadores portugueses, em 1776, para garantir a soberania territorial na fronteira com a colônia espanhola. Concluído em 1883, o forte era bastante imponente, com muralhas de dez metros de altura, 970 metros de perímetro e quatro baluartes, e defendido por 56 canhões, eficientes para dissuadir tentativas de invasão.A presença do Exército nessa parte da Amazônia remonta ao século XVII, inicialmente com o Fortim Nossa Senhora da Conceição, de 1760, às margens do Rio Guaporé, e, a partir de 1783, com o Real Forte Príncipe da Beira, construído cerca de dois quilômetros rio acima. Hoje, o 1º Pelotão de Fronteira da 17ª Brigada de Infantaria de Selva (sediada em Porto Velho-RO) é o representante do Exército no local.
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Roraima, território indígena – Subindo até Boa Vista, em Roraima, testemunhamos o trabalho realizado pela 1ª Brigada de Infantaria de Selva, a Brigada Lobo D’Almada.Uma característica marcante da região é o fato de que 70% do território do estado é constituído por áreas indígenas e de preservação ambiental, restando muito pouco para o setor produtivo. Além disso, mesmo com o desaparecimento de grande parte da população indígena, ocorrido durante a colonização, Roraima ainda tem um grande número de índios, entre os quais se destacam os yanomamis.
Por essa situação peculiar e devido à riqueza do solo, onde se concentram grandes reservas de minérios, como ouro, diamante, cassiterita, bauxita e cobre, Roraima tem sido palco de constantes conflitos entre indígenas e garimpeiros.
Na cidade de Normandia, vizinha à Guiana, visitamos o Pelotão de Fronteira do Exército, o Sentinela do Maú, e nos impressionamos com a grande responsabilidade de um tenente de apenas 26 anos: proteger mais de 1.605,8 km de fronteira.
Sobrevoamos o Pico da Neblina, a maior elevação do Brasil, e chegamos a Maturacá, já no Amazonas, onde se localiza um Pelotão de Fronteira do Exército, próximo à Venezuela. Fomos recepcionados por índios yanomamis, que vivem próximo ao pelotão.
Vimos, ali, índios fardados, cantando fervorosamente o Hino Nacional, e essa cena se repetiu em São Gabriel da Cachoeira (AM). As duas cidades possuem um número significativo de soldados indígenas de diferentes grupos étnicos, profundos conhecedores da floresta, que possibilitam uma grande integração cultural com os militares de outras partes do Brasil, além de facilitarem as operações.
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Pirarucu, tapioca e cupuaçu – A culinária é um grande atrativo da Região Norte. Na imensidão dos rios, há fartura de peixes saborosos. O pirarucu, conhecido com bacalhau da Amazônia, é um dos maiores peixes que existem, e pode alcançar mais de 2m e 120 kg. Como tudo por aqui é superlativo – maior bacia de água doce do mundo, maior floresta tropical – as frutas não fogem à regra. As pessoas da região têm o costume de comer uma banana frita chamada pacovan (musa paradisíaca), que mede cerca de 30cm. Nas barracas de rua, há dois tipos de melancia: a arredondada – mais encontrada no Sudeste – e outra alongada, que mal cabe na geladeira e cujos pedaços satisfazem duas pessoas.n
Festa do Boi – No mês de outubro, por ocasião do aniversário de Manaus, foi realizado o Boi Manaus, uma festa cuja multidão lembra o carnaval de Salvador. Visitantes e moradores da cidade reúnem-se no sambódromo, para dançar as toadas de boi, que têm ritmo compassado e contagiante e cantam as histórias da natureza, as lendas amazônicas e, é claro, a bravura dos bois Caprichoso e Garantido – partidos que disputam a hegemonia nesse folclore.Jornal da PUC - Edição 180