O líder religioso que marcou o Rio de Janeiro
06/08/2012 16:15
Guilherme de Oliveira / Fotos: Jorge Paulo, Pamella Vasconcellos, Antonio Albuquerque

Arcebispo Emérito do Rio, Dom Eugenio Sales faleceu aos 91 anos. Considerado o homem do Vaticano no Brasil, o Cardeal exerceu liderança religiosa e civil. Em testamento, escrito em 2003, aos 83 anos, afirmou que não leva mágoas e que buscou reparar sofrimentos com as orações.

Dom Eugenio Sales dedicou a vida à Igreja Católica e era considerado o homem do Vaticano no Brasil. Ao longo de 69 anos de trabalho eclesiástico, exerceu liderança religiosa e civil e ofereceu proteção a perseguidos políticos. Foi rotulado de conservador pela defesa das tradições católicas e pelo ataque às alas progressistas da Igreja. Também foi chamado de revolucionário ao ajudar trabalhadores a criar sindicatos rurais no Rio Grande do Norte, estado onde nasceu. Administrou durante 30 anos a Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, da qual era Arcebispo Emérito, e foi Grão-Chanceler da PUC-Rio, cargo hierárquico mais alto da Universidade. Dom Eugenio foi amigo do Papa João Paulo II, que o estimulou a permanecer à frente da Arquidiocese do Rio até completar 80 anos. O Cardeal Dom Eugenio Sales faleceu enquanto dormia, na Residência Episcopal, no Sumaré, Zona Norte do Rio, aos 91 anos, vítima de enfarte, na noite do dia 9 de julho.

 


Infância em Natal

 


Filho do desembargador Celso Dantas Sales e de Josefa de Araujo Sales, Dom Eugenio nasceu no pequeno município de Acari, no interior do estado do Rio Grande do Norte. Dom Eugenio de Araujo Sales, de família católica, estudava no Colégio Marista Santo Antonio, voltado, na época, para a educação católica em regime de internato, quando descobriu a vocação para o sacerdócio. Um dos oito irmãos de Dom Eugenio também optou pelo ministério: Dom Heitor de Araujo Sales, Arcebispo Emérito da Arquidiocese de Natal.

 

Em novembro de 1943, Dom Eugenio foi ordenado sacerdote na mesma igreja onde fora batizado e celebrou a primeira missa. Aos 34 anos, foi ordenado bispo auxiliar, o mais novo do Brasil, na Arquidiocese de Natal e começou a desenvolver iniciativas conhecidas como Movimento de Natal. O Arcebispo Emérito do Rio, que cogitou ser engenheiro agrônomo, criou o Serviço de Assistência Rural, que formou equipes para oferecer formação religiosa e reivindicar melhores condições de trabalho no meio rural. O trabalho pastoral impulsionou as Comunidades Eclesiais de Base, núcleos sediados em paróquias de formação de líderes, inclusive leigos, para difundir os ensinamentos do Evangelho. O trabalho também deu origem às chamadas Escolas Radiofônicas.

 

Cerca de cinco mil fiéis foram ao velório na Catedral Metropolitana do Rio, onde Dom Eugenio foi sepultado numa cripta

 

 

Em 1962, Dom Eugenio foi nomeado Arcebispo da Arquidiocese de Natal que realizou a primeira Campanha da Fraternidade, projeto que mobiliza os fiéis da Igreja a discutir um problema da sociedade. Depois, a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil adotou o programa e o estendeu para todo o país.  Dois anos depois, foi nomeado Arcebispo da Arquidiocese de Salvador e Bispo Primaz do Brasil pelo Papa Paulo VI, em 1968. No ano seguinte, Dom Eugenio recebeu do Sumo Pontífice o barrete cardinalício e tornou-se Cardeal Presbítero da Santa Igreja Romana do Título de São Gregório VII. Num caso raro, deixou a função de Arcebispo Primaz do Brasil em Salvador para ser Arcebispo da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro em 1971. O padre Dionel Amaral, assessor de Dom Eugenio durante 48 anos, diz que Dom Eugenio não esperava ser Arcebispo do Rio.     

 

– Dom Eugenio foi a uma audiência com o Papa Paulo VI no Vaticano. Eu fiquei de buscá-lo na hora do almoço. Ele olhou para mim e disse que eu não devia perguntar nada. Mais tarde, ouvi na Rádio Vaticano que o Papa Paulo VI havia nomeado Dom Eugenio Araujo Sales Arcebispo do Rio de Janeiro. Depois, Dom Eugenio me disse que, no momento em que foi nomeado, se ajoelhou aos pés de Papa Paulo VI e afirmou que ele era indigno de ser Arcebispo do Rio. Mas o Papa respondeu: eu preciso do senhor no Rio de Janeiro – afirma o padre Dionel Amaral.

 


Trabalho no Rio

 


À frente da Arquidiocese do Rio, Dom Eugenio se revelou um empreendedor bem-sucedido. Nesse período, o trabalho social do Cardeal em prol dos pobres se destacou. Dom Eugenio era visto em favelas e morros do Rio, visitando pessoas carentes. Criou a Pastoral do Menor, pela qual a Arquidiocese do Rio presta atendimento a meninos de rua, em parceria com órgãos públicos e entidades privadas. Segundo Maria Christina Sá, conselheira da Pastoral da Menor, Dom Eugenio reorganizou as associações de moradores de comunidade. Também instituiu a Pastoral das Favelas, quando atuou para que os moradores da favela do Vidigal não fossem removidos. Ele decidiu resolver a questão na justiça e estabeleceu uma assessoria jurídica. Conseguiu que os moradores obtivessem o direito de morar no morro situado entre Leblon e São Conrado. Para Marcylene Capper, professora de ética profissional da PUC, o Cardeal, mais do que ajudar os pobres, tinha a preocupação de estimular a formação e a capacitação dos assistidos.

 

– Na década de 80, o fotógrafo Walter Carvalho era voluntário e dava aulas de vídeo e enquadramento para lideranças do Complexo da Maré. Dom Eugenio fazia questão de conversar com os moradores da favela e de incentivá-los no curso. Ele trabalhava para que os vídeos fossem feitos pelos alunos e reproduzidos na comunidade – diz Capper, supervisora de jornalismo do jornal Testemunho de Fé.  

 

A última missa de corpo presente para Dom Eugenio Sales foi marcada pela emoção. Pomba branca comoveu os presentes

 

Para reunir num só local os serviços da Arquidiocese do Rio, Dom Eugenio mandou construir uma sede, o Edifício João Paulo II, prédio anexo ao Palácio de São Joaquim, na Glória, residência do Arcebispo do Rio e onde funciona a Cúria Metropolitana, o tribunal eclesiástico. Instituiu o Centro Audiovisual da Arquidiocese e a Fundação Cultural, Educacional e de Radiodifusão Catedral São Sebastião do Rio de Janeiro em 1992. Hoje a Fundação administra a Rádio Catedral, o jornal Testemunho de Fé e a livraria e editora Nossa Senhora da Paz. O Cardeal soube aproveitar a força dos meios de comunicação para difundir o Evangelho. Tinha programa semanal na televisão, veículo usado para transmitir a celebração de missas nas grandes festas, e no rádio, pelo qual dava “aulas de catecismo”. Escrevia artigos em vários jornais e publicou livros reunindo a coletânea das publicações.

 

– Nada no mundo funciona sem a comunicação. Ela é fundamental para a difusão do Evangelho. Quando eu não podia ir ao local, eu chegava às pessoas pelos meios de comunicação – disse Dom Eugenio, em entrevista ao jornal O Globo, em 2010.

 

Dom Eugenio celebra missa na PUC para Dom Helder Câmara, Doutor Honoris Causa

 

Mas foi a discrição e a ausência de divulgação do abrigo a perseguidos políticos que tornaram Dom Eugenio mais conhecido, posteriormente, no meio civil. O Cardeal ajudou cerca de 5 mil pessoas procuradas pelos regimes militares do Brasil e dos países do Cone Sul, Argentina, Uruguai, Chile e Paraguai, entre 1976 e 1982. A maior parte dos exilados vinha da Argentina e buscava refúgio na Europa. Dom Eugenio providenciou abrigo no próprio Palácio São Joaquim e numa rede de 80 imóveis alugados. Decidiu ajudá-los por ver a ação como uma obrigação e um dever de pastor. Embora não se considerasse herói, o abrigo aos exilados era um dos feitos de que mais se orgulhava. O professor da PUC Adair Rocha afirma que sofreu menos em interrogatórios depois da ajuda do Cardeal, apesar das divergências teológicas. 

 

– Depois de quatro horas de tortura, eu notei uma mudança no comportamento do pastor que me interrogava. Dom Eugenio conversou com um dos responsáveis pela repressão. Eu sei porque vi meu livro e o do Dom Pedro Casaldáliga na gaveta do interrogador – diz Adair, em referência a adeptos da Teologia da Libertação, movimento esquerdista da Igreja que interpreta os ensinamentos de Jesus Cristo à luz das injustiças sociais.

 

Para ouvir a sociedade, Dom Eugenio promoveu debates na sua residência. Nos chamados encontros do Sumaré, reuniu pessoas importantes, principalmente os “formadores de opinião”. O Cardeal abria o debate e depois, em silêncio, ficava ouvindo a discussão sobre os mais variados temas até a hora da oração final. O jornalista Luiz Paulo Horta, que participou de encontros, afirma que não consegue imaginar Dom Eugenio aos gritos, pois ele exercia uma liderança natural. Jornalistas que conviveram com o Cardeal o viam como um homem sisudo, de poucos sorrisos, com postura altiva e sotaque nordestino acentuado. Pela solidez de princípios, não tinha medo de dar declarações polêmicas e tomar medidas impopulares.

 

Edição 258

 

Mais Recentes
A missão de ouvir diferentes vozes
Série Especial: Entrevista com os Vice-Reitores
As difíceis decisões de um Vice-Reitor
Série Especial: Entrevista com os Vice-Reitores
Desafios de uma Universidade de excelência
Série Especial: Entrevista com os Vice-Reitores