De um lado, o Cardeal de Milão, Carlo Maria Martini, homem religioso que representaria a Igreja. Do outro, o renomado escritor e professor de semiótica Umberto Eco. A ideia era simples, mas ao mesmo tempo ambiciosa. Colocar frente a frente o católico e o humanista. Fazer com que dois intelectuais italianos donos de pensamentos dissonantes trocassem cartas e que nelas fossem discutidos os mais variados assuntos polêmicos da modernidade humana.
Publicadas entre os anos de 1995 e 1996 pela revista italiana Liberal, as cartas trocadas entre o Cardeal Martini, jesuíta, Arcebispo de Milão até 2002, falecido no dia 31 de agosto deste ano, e Umberto Eco não atenderam à expectativa inicial. Pensada como um grande embate, o que se viu ao longo de cada carta assinada por Martini ou Eco foi um verdadeiro diálogo.
Ao longo dos oito textos que, mais tarde, virariam o livro Em que creem os que não creem?, o Cardeal Martini e Umberto Eco mostram-se respeitosos, sabem ouvir um ao outro e transmitem uma sensação de proximidade entre os dois.
Apesar da ideia de que uma conversa entre um religioso e um cético acerca de temas modernos poderia gerar polêmica, não há confronto direto na conversa entre Martini e Eco. Também não há uma total concordância entre os intelectuais, mas os dois dialogam e exprimem as respectivas posições sempre dando margem para um respeitoso debate.
Para a professora de Comunicação Angeluccia Habert, leitora de Em que creem os que não creem?, o motivo para a ausência de um acalorado debate é a origem e formação de valores do Cardeal Martini e de Umberto Eco.
– O que temos nesse diálogo é a visão de dois homens que estão inseridos dentro de uma cultura universal. Diálogo é ser respeitoso e tolerante em relação ao outro. O diálogo é uma maneira de se conhecer mais aquilo que se pensa, a partir da conversa com o outro. Crescer naquilo que se vê e acredita. A ideia do diálogo não é de litígio, mas de aproximação – afirma.
A professora também acredita que, por mais que as cartas tratem de assuntos como a preservação e a origem da vida, a grande questão abordada é a responsabilidade.
– O que mais se desenvolve é a questão da responsabilidade. Tanto na resposta do Cardeal Martini, quanto nas colocações de Umberto Eco, se vê sempre essa necessidade de o homem ser mais tolerante e mais responsável pelas ações dele – diz.
Talvez por ter estado aberto ao diálogo não só nas cartas, mas em toda a vida, o Cardeal Martini foi considerado por muitos uma das vozes liberais mais influentes dentro da Igreja. Para o padre Dionel Amaral, S.J., que encontrou Martini em 2001 e também trocou correspondências até o falecimento do cardeal, mais do que liberal, Martini era um grande estudioso da palavra de Deus.
– Era um homem simples, afetuoso, receptivo e que trabalhou toda a sua vida para a maior glória de Deus. Pode-se dizer que ele usava esse conhecimento para dizer que Deus não se fecha a ninguém. Assim como Deus, Martini era aberto ao diálogo e não restringia ninguém. O que ele transmitia não era aquilo que ele pensava, mas o que ele estudou na Sacrada Escritura – afirma.
Edição 261