Por que o brasileiro não gosta de se submeter às leis? Por que as noções de privado e público se confundem em nosso país? Estas perguntas são enfrentadas em um dos principais livros escritos no século XX: Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, que completa 70 anos este ano. A obra permanece atual em suas idéias, especialmente a de que a cordialidade é um traço definitivo do caráter brasileiro.
“O homem cordial não é uma pessoa amável, mas aquela que tem dificuldade de aceitar regras impessoais”, explica o sociólogo e professor Roberto DaMatta, do Departamento de Sociologia da PUC-Rio. “Como construir um Estado a partir de uma sociedade que privilegia as relações pessoais, os amigos, o coração?”, indaga o professor. Para DaMatta, Raízes do Brasil é um marco porque desenha as dimensões permanentes da cultura do país.
A valorização da personalidade e dos vínculos afetivos do homem cordial faz com que ele não perceba a diferença entre o público e o privado. Isso cria obstáculos à construção da cidadania. “Não existe uma pessoa no Brasil que não se considere importante”, constata DaMatta. “Prevalece a noção de ‘você sabe com quem está falando?’”, completa.
Na opinião do antropólogo e professor do Departamento de História Ricardo Benzaquen, um dos organizadores da edição comemorativa de Raízes do Brasil, publicada pela Companhia das Letras, percebe-se hoje um esforço no sentido de tentar fortalecer a esfera pública. “Mas, a meu ver, esse fortalecimento não vai cancelar completamente a prática da cordialidade em todas as dimensões da vida social brasileira”, diz o professor.
Em décadas passadas, o livro sofreu críticas por ter um caráter ensaístico, ou seja, as teses da obra não teriam sido completamente baseadas em documentos históricos. “É perfeitamente possível que o livro tenha menos pesquisas do que um critério científico stricto sensu exigiria. Mas as hipóteses interpretativas de Sérgio Buarque são extremamente interessantes”, avalia Benzaquen.
– Raízes do Brasil oferece interpretações que têm validade mesmo para fenômenos muito recentes. O livro é um clássico porque continua vivo, assinala o professor.
Edição 181