Simplesmente Tolkien
04/10/2013 12:14

O professor que mostrou ao mundo que fantasia vai além dos contos de fada


“Em um buraco no chão vivia um hobbit”. Há 82 anos, enquanto analisava documentos de alunos que queriam ingressar na Universidade de Oxford, em Oxford, na Inglaterra, o professor John Ronald Reuel Tolkien, ao encarar uma página em branco, escreveu sem saber o porquê as palavras inaugurais de um marco na fantasia moderna. Publicado quase dez anos mais tarde, em setembro de 1937, “O Hobbit”, hoje considerado clássico da literatura universal, antecedeu a aclamada trilogia “O Senhor dos Anéis”, que vendeu mais de 160 milhões de cópias ao longo de quase 60 anos de existência e foi considerado uma das obras mais importantes do século. No dia 2 de setembro de 1973, 40 anos atrás, Tolkien morreu aos 81 anos vítima de uma úlcera.

Natural da cidade de Bloemfontein, na África do Sul, Tolkien nasceu no dia 3 de janeiro de 1892. Aos 3 anos, ele, a mãe o meio-irmão foram para a Inglaterra, terra natal de seus pais e onde foi naturalizado britânico. De tradição católica, ele cresceu lendo e ouvindo contos de fadas em grego e latim. Lutou na Primeira Guerra Mundial e retornou para casa em 1919, aos 27 anos, quando começou a escrever os conceitos, histórias e personagens do que se tornou, mais tarde, “O Silmarillion”. Este livro, publicado postumamente por seu filho, é considerado o antecessor de “O Hobbit” e “O Senhor dos Anéis” e foi a obra mais apaixonada do autor, embora não tão conhecida pelo público.

Tolkien ficou conhecido como o pai da literatura fantástica moderna. Muitos autores contemporâneos de fantasia, tal qual J. K. Rowling, autora de Harry Potter, George Lucas, criador da série Star Wars, e George R. R. Martin, que escreveu As Crônicas de Gelo e Fogo, inspiraram-se no universo tolkieniano para desenvolver suas obras. De acordo com Leonardo Berenger, professor do Departamento de Letras da PUC-Rio, a literatura fantástica não tem compromisso com a verossimilhança, e é esse o traço mais marcante que a distingue dos demais gêneros literários.

– Às vezes teremos aspectos sobrenaturais, ilógicos e irracionais. O fantástico rompe com a verossimilhança, que é essa característica que aproxima a ficção da realidade, que mantém a ficção atrelada ao real. O fantástico não se preocupa em parecer real – explicou.

Em “O Hobbit” – “hobbit” é um termo criado pelo próprio Tolkien para designar à raça do protagonista, cujas características mais proeminentes seriam a baixa estatura e a vida em tocas -, Bilbo Bolseiro empreende uma jornada, ao lado do mago Gandalf e de 13 anões, para resgatar o tesouro guardado pelo dragão Smaug. Durante a aventura, as peripécias de Bilbo levam-no a encontrar o anel do poder que vai ser o objeto-tema da sequência de “O Hobbit”. Dividida em três títulos separados, a história de “O Senhor dos Anéis” é protagonizada pelo sobrinho de Bilbo, Frodo Bolseiro, cuja missão é destruir o anel do poder antes que ele caia em mãos erradas.

A Terra-Média é o palco dos principais eventos dos livros de Tolkien. O universo criado pelo autor, onde homens e criaturas fantásticas residem ora em harmonia ora em conflito, é dividido em eras; “O Hobbit” e “O Senhor dos Anéis” tratam do final da terceira era, e “O Silmarillion”, da primeira era. O domínio sobre idiomas clássicos e modernos permitiu a Tolkien criar línguas que seriam faladas pelos elfos, uma das raças que habitavam a Terra Média. Segundo Leonardo Berenger, os livros de Tolkien tendem a ser vistos cada vez mais como clássicos. As razões são inúmeras, como o caráter atemporal, o distanciamento histórico e a polifonia.

– No livro “O Senhor dos Anéis”, por exemplo, Tolkien paga um tributo muito grande à herança literária. É uma obra polifônica, cheia de outras vozes. Ele faz referências ao Beowulf, o primeiro poema épico da língua inglesa, à literatura medieval. O livro “O Senhor dos Anéis” está repleto de possíveis diálogos com outras obras clássicas anteriores a ele. É um clássico que se construiu a partir do diálogo com outros clássicos, nessa roupagem fantástica – observou.

A trilogia de livros de “O Senhor dos Anéis” ganhou uma adaptação cinematográfica dirigida e produzida pelo diretor neozelandês Peter Jackson. Sucesso de crítica e bilheteria, os filmes “O Senhor dos Anéis: A sociedade do anel”, de 2001, “O Senhor dos Anéis: As duas torres”, de 2002 e “O Senhor dos Anéis: O retorno do rei”, de 2003, ganharam juntos 17 oscars e arrecadaram quase 3 bilhões em bilheteria pelo mundo todo. Em dezembro do ano passado, Peter Jackson lançou o primeiro filme da trilogia que está sendo desenvolvida a partir do livro “O Hobbit”. Denominado “O Hobbit: uma jornada inesperada”, o longa-metragem não conseguiu repetir o sucesso dos demais filmes baseados na obra de Tolkien. Em dezembro deste ano, chega aos cinemas do mundo todo o segundo filme da sequência, intitulado de “O Hobbit: A Desolação de Smaug”.

Cada fã se relaciona com a obra de Tolkien e, por conseguinte, com os longas de Peter Jackson, de uma maneira diferente. Não existe consenso quanto ao melhor livro ou o melhor filme, nem sequer sobre qual o maior mérito que os dois autores legaram aos fãs. Lucas Izumi, de 23 anos, é aluno do sétimo período de sistemas de informação na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), em Diamantina, Minas Gerais. Izumi conheceu Tolkien através da internet e, para ele, o maior mérito da obra tolkeniana não se trata de um livro em particular, mas de todo o universo criado.

– O maior mérito não é um livro em especial, mas todo o universo que o autor criou. Ele é muito criticado pelo excesso de detalhes nas suas descrições, mas isso te faz perceber o quão apaixonado ele era pela Terra Média. A linguagem, escrita e mapas também criados por ele reforçam essa ideia – contou.

De Tolkien, Izumi já leu a Trilogia do Anel, “O Hobbit” e “O Silmarillion”, sendo “O Hobbit” o seu preferido. Já Bruno Borba, de 26 anos, aluno do terceiro período de Comunicação Social da Universidade, leu as três principais obras de Tolkien e “Contos Inacabados” (uma série de histórias sobre a Terra-Média compiladas pelo filho do escritor, Christopher Tolkien), tudo em menos de um ano. Atualmente ele está lendo “Os Filhos de Húrin”, o livro mais recente publicado por Christopher, em 2007. Mas Borba vai além: a paixão pelo universo de Tolkien é tamanha que ele chegou a tatuar nas costas os Portões de Mórdor, um dos locais por onde Frodo passa na missão de destruir o anel. Ele também decorou uma música em adunaico, um dos idiomas criados por Tolkien em “O Senhor dos Anéis”.

Lucas Raiol, de 21 anos, é estudante de Cinema, do quinto período, aqui na Universidade. Foi a avó quem o apresentou os livros de Tolkien, começando pelo “O Hobbit”. Ele tenta não comparar os livros com os filmes, embora tenha gostado de ambos.

­– Tento não ficar comparando livros e filmes, porque são obras diferentes. Ter que adaptar um livro de 500 páginas para três horas de filme é muito difícil. São linguagens diferentes. Como filme, “O Senhor dos Anéis” funciona muito bem. A escolha do elenco é muito boa, a trilha sonora do Howard Shore é maravilhosa – disse.

Tão grande quanto a Terra-Média, a legião de fãs de Tolkien está espalhada por todos os lugares. Na internet, o site Tolkien Brasil reúne notícias, artigos, resenhas, vídeos e qualquer tipo de material relacionado ao professor. Surgido de um grupo de Facebook que tentava unir os fãs do autor espalhados por Minas Gerais, o site ganhou proporções e opera com um grupo dividido entre os principais estados do Brasil. Eduardo Stark, advogado e administrador do Tolkien Brasil, elege a amplitude detalhista e realista do universo tolkeniano como o motivo pelo qual Tolkien se tornou um marco na fantasia moderna.

– O fato de ter criado um mundo com tantos detalhes e realismo mudou a percepção e conceitos sobre o que seria fantasia e contos de fadas. Em linhas gerais, pode-se dizer que Tolkien foi um marco da fantasia moderna, pois suas obras são base para praticamente todas as obras posteriores que possuem aspectos de fantasia - explicou.

Edição 274

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