Em 28 de junho de 1914, o estudante Gavrilo Princip baleou o herdeiro do trono austro-húngaro, Franz Ferdinand, em Sarajevo. Um mês após o atentado, era decretada a Primeira Guerra Mundial, conflito de proporções globais que envolveu as potências mundiais e deixou, segundo as estimativas, até 17 milhões de mortos. Se a Gripe Espanhola, doença que atingiu o mundo em 1918, for considerada consequência da Guerra, o número de vítimas chega a 65 milhões.
Em 1894, Princip nasceu em Obljaj, cidade pequena da atual Bósnia-Herzegovina, à época sob domínio austro-húngaro. Conforme registros, ele teria nascido no dia 13 de junho ou julho, usando o calendário Juliano, que estava 12 dias atrasado comparado ao calendário Gregoriano. Independente do dia, Princip tinha 19 anos quando assassinou Franz Ferdinand. A pouca idade o salvou da pena de morte, aplicada somente a maiores de 20 anos.
A família de Princip, formada por agricultores, era pobre e não conseguia sustentar os filhos. Seis dos oito irmãos morreram crianças. Em busca de uma vida melhor, Princip se mudou para Sarajevo, a capital da província austro-húngara. Destacou-se na escola, onde conheceu jovens que reivindicavam a liberdade do Império.
Ainda estudante, ingressou na organização clandestina Mão Negra, ligada à “Jovem Bósnia”, que recorria a atos terroristas como forma de atividade política. O objetivo do movimento era a libertação dos países eslavos nos Bálcãs da Áustria-Hungria.
Após deixar o colégio, Princip viajou para a Sérvia, onde preparou o assassinato do herdeiro austro-húngaro. Recebeu apoio de nacionalistas sérvios, mas seus motivos nunca foram exclusivamente sérvios.
Em relação às convicções políticas, Princip não apoiava o nacionalismo exclusivamente sérvio. De acordo com Tim Butcher, que escreveu, para o jornal The Telegraph, uma reportagem sobre o episódio, Princip era a favor da expulsão dos estrangeiros nas regiões eslavas para que os locais pudessem assumir o comando. Para ele, não importava se o poder ficasse nas mãos dos sérvios, croatas ou outras etnias.
O historiador Miloš Jagodić, da Universidade de Belgrado, afirma que muitos sérvios consideram Princip como símbolo de resistência contra os invasores estrangeiros. O assassinato de Franz Ferdinand é visto, pelos sérvios, como mera desculpa para atacar o país.
– Princip está presente na memória nacional. Os sérvios têm orgulho da história da Primeira Guerra e dos avanços militares, embora tenham sofrido gravemente no conflito. A maioria das pessoas se orgulha da rejeição do Ultimato de 1914, independente do preço pago. Mas, oficialmente, Princip não é reverenciado como herói – conta.
Princip planejou o atentado com outros membros da Mão Negra, entre eles, Trifun Grabež e Nedjelko Čabrinović. O grupo teve apoio do major sérvio e membro da organização, Vojislav Tankosić, que lhes forneceu granadas e munição, além de dinheiro, pílulas de suicídio, treinamento e um mapa com o posicionamento da guarda. Os militares sérvios queriam enfraquecer o Império.
O professor Márcio Scalércio, do Instituto de Relações Internacionais da PUC, explica que o assassinato causou uma crise política na Europa.
– O Império Austro-húngaro perdia espaço. O assassinato foi uma confusão que envolveu os sérvios da Bósnia contra a anexação do país pela Áustria-Hungria. Esse cenário estabeleceu um confronto com a Rússia, porque ela exercia o papel de protetor dos sérvios. O assassinato foi em junho, mas a Guerra só estourou em agosto. A diplomacia não conseguiu resolver a crise – aponta.
Antes de ser baleado, Franz Ferdinand conseguiu escapar de um ataque do cúmplice Čabrinović, que tentou jogar uma bomba na charrete. Bateu na capota aberta do veículo e explodiu sobre o carro seguinte do casal austríaco, onde feriu 20 pessoas.
Condenação
Após o atentado, Princip foi imediatamente detido. Os envolvidos acabaram capturados e julgados. Os três principais culpados, Princip, Čabrinović e Grabež, foram condenados a 20 anos de prisão. Conforme a Lei de Habsburg, a pena de morte somente se aplicava a maiores de 20 anos. Princip não cumpriu o tempo total da punição devido à tuberculose, causa da sua morte em 1918, seis meses antes do fim da Guerra.
O atentado provocou tensões entre o Império Austro-Húngaro e a Sérvia. No Ultimato de Julho, a Áustria-Hungria exigiu dez providências dos sérvios. Entre outras, a prisão dos envolvidos no assassinato. Além disso, a Sérvia deveria abrir uma investigação judicial contra os cúmplices da conspiração de 28 de junho, com órgãos delegados pelos austro-húngaros.
A Sérvia cumpriu somente parte das exigências, razão pela qual o Império rompeu as relações diplomáticas com o país. Quando soldados sérvios cruzaram a fronteira no dia seguinte, a Áustria-Hungria declarou guerra à Sérvia.
A professora Suzana Rajić, também do Departamento de História da Universidade de Belgrado, afirma existir pouco conhecimento sobre a figura histórica de Princip. Antes das preparações para o jubileu dos cem anos da Guerra, não se discutia o assunto. Quando a imprensa internacional tocou na questão da culpa da Sérvia, em 2014, o tema começou a ser tratado.
– As reportagens na imprensa são majoritariamente sobre a origem, família, juventude, educação e os descendentes de Princip. Atualmente, um colega meu está fazendo uma pesquisa sobre a vida de Gavrilo. Não existem publicações científicas sobre ele ainda. É a prova de que, apesar de saber pouco, se fala livremente dele – explica.