Humor de cara limpa com toques femininos
09/10/2014 15:18
Alessandra Monnerat / Foto: Ernane Pinho

Elas lutam contra os preconceitos e ganham vez no stand up

Veronica Debom é a primeira integrante feminina do Comédia em Pé
Veronica Debom chega ao camarim com um copo de açaí. Sempre brincando, ela debocha de alguns dos colegas que também se apresentarão naquela noite, que devolvem as piadas. Veronica é a única mulher do Comédia em Pé, grupo de stand up comedy pioneiro no Rio. Ela ainda é uma das poucas representantes femininas nesse gênero de comédia.

Formada em Publicidade pela PUC-Rio, Veronica gostava de atuar desde pequena, mas não levava a carreira a sério. A oportunidade no Comédia em Pé surgiu justamente pela falta de mulheres na área. Segundo ela, essa escassez, em especial no stand up, fez aumentar o interesse por apresentações de mulheres.

– É um ambiente masculino e eu tive que me masculinizar um pouco. Claro que já existia esse açougueiro preso dentro de mim, tentando sair, mas convivendo com os meninos as piadas são muito baixas, o bullying é muito forte. Não quero ficar na posição de ‘ah, eu sou menina, não brinca comigo!’, mas as mulheres passam por isso mesmo – afirma.

Espetáculos em que comediantes apresentam textos autorais Elas lutam contra os preconceitos e ganham vez no stand up sem auxílio de caracterização, cenários ou efeitos de som e luz começaram a se popularizar no Brasil nos meados dos anos 2000. Um movimento do estilo stand up se formou nessa época, originou grupos de comédia no Rio e em São Paulo e multiplicou as apresentações do gênero em teatros e bares.

Uma das primeiras mulheres que ficou conhecida por fazer humor de cara limpa no Brasil foi a paranaense Marcela Leal, que formou o Clube de Comédia, em São Paulo. A mais famosa a encarar o gênero é Dani Calabresa, atualmente no ar no CQC, da Band. A goianense Carol Zoccoli, que começou na carreira em 2007, acredita que o momento é favorável às mulheres.

– Eu vejo que as mulheres têm se interessado mais por comédia, vemos cada vez mais mulheres nos palcos. É um ambiente em que encontramos mais homens, mas não acho que seja um ambiente onde tenha mais o pensamento masculino do que qualquer outro na sociedade – ressalta.

No exterior, comédias centradas em mulheres vêm se tornando mais numerosas. Na TV, as séries Girls, New Girl e The Mindy Project têm autoras e protagonistas femininas. No cinema, atrizes como Tina Fey, Amy Poehler e Kristen Wiig continuam o movimento que eles começaram há alguns anos, quando trabalhavam no programa de humor Saturday Night Live.

No stand up, entretanto, a reação do público é imediata e nem sempre as piadas contadas por mulheres são as que mais fazem rir. Segundo Veronica, a comediante precisa ter muito mais cuidado que os companheiros de espetáculo ao abordar assuntos considerados mais “pesados”.

A professora do Departamento de Artes Cênicas Miriam Sutter explica que a comédia está ligada, desde a Grécia Antiga, a um aspecto mais animalesco do homem, que nem sempre se encaixa ao papel estabelecido culturalmente para a mulher.

– Enquanto a tragédia mostra o homem mais para a razão, o desejo sublimado pela razão ou pela dúvida, a comédia situa o homem no que ele tem de sua parte animal. A comédia tem esse lado: ela vai ridicularizar o lado que o homem não gosta de ver em si próprio – observa.

Apesar das barreiras culturais, Verônica tenta abordar questões sobre o preconceito contra a mulher e sobre a sexualidade na rotina de stand up que interpreta no Comédia em Pé, em um estilo parecido com o da comediante americana Whitney Cummings. E afirma que não tem vergonha nenhuma de falar o que pensa.

– Até hoje não acredito que faço stand up, sofro toda vez. Há de ser muito corajoso. Se a plateia não ri da sua piada, você tem que acostumar a ser rejeitado por 600 pessoas ao mesmo tempo, em público. É aquele pesadelo de estar pelado na frente dos outros. É muito ruim quando não riem da sua piada, mas em compensação quando riem é muito bom. Então, corajoso é quem faz com medo – garante.

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