Olhar global de Milton Santos em documentário
02/04/2007 16:00
Clarice Tenório / Foto: Felipe Fittipaldi

O geógrafo brasileiro Milton Santos, autêntico pensador do século XX, pouco antes de morrer em 2001, foi entrevistado por Silvio Tendler. Com base no material, está sendo lançado o documentário Encontro com Milton Santos ou O mundo global visto do lado de cá (2006). Professor do Departamento de Comunicação, Tendler conversou com o JORNAL DA PUC e contou detalhes sobre a produção do longa, que trata da desigualdade social, da globalização e do conflito de olhares entre o mundo do Norte e o do Sul.


A desigualdade social, a globalização e o conflito de olhares entre o mundo do Norte e o do Sul são temas do documentário Encontro com Milton Santos ou O mundo global visto do lado de cá (2006), de Silvio Tendler. O filme teve pré-estréia gratuita no dia 29 de março, às 19h30m, no Circo Voador, na Lapa.

Milton Santos, geógrafo e importante pensador brasileiro do século XX, concedeu uma entrevista pouco antes de morrer, em 2001, que serviu de base para o filme de Tendler. A globalização sob uma perspectiva da periferia é discutida não só através de depoimentos do geógrafo, mas também do escritor José Saramago, do professor senegalês Boubacar Diop e do líder do Movimento dos Sem Terra João Pedro Stedile, entre outros. Silvio Tendler, professor de Cine-Documentário do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio, contou as dificuldades, os objetivos e as expectativas na produção do longa-metragem.

JORNAL DA PUC: Por que tratar sobre os olhares de Milton Santos?

Silvio Tendler – É um documentário sobre o conflito de olhares entre o mundo do Norte e o mundo do Sul. Fiz uma longa entrevista com o professor Milton Santos, um geógrafo brasileiro importante, logo antes de ele morrer em 2001. Ele tem uma boa reflexão, é um geógrafo que também é filósofo e não pensa o mundo de um ponto de vista técnico, mas sim de um ponto de vista filosófico, do nosso ponto de vista. O filme reflete o processo da globalização do ponto de vista dos países do Sul.

JP: Você tem outro filme, Milton Santos, pensador do Brasil (2001). Qual a diferença entre os dois?

Tendler – Fiz a entrevista em 2001, e dela, vários filmes. A diferença entre os dois é toda. O primeiro, para começar, tem 50 minutos e o de agora, 90. Também não são os mesmos materiais. A base é a entrevista, mas o desenvolvimento e as entrevistas de apoio são completamente diferentes. Eu entrevisto outras pessoas e levanto outras questões, sobretudo. O Pensador do Brasil é o ponto de vista do Brasil e o atual é sobre o mundo, a globalização.

JP: De quem são os outros depoimentos?

Tendler – O Saramago aparece, Eduardo Galeano também... Tem um senegalês chamado Boubacar Diop, o Ministro de Relações Exteriores brasileiro Celso Amorim, João Pedro Stedile, do MST, e várias personalidades e professores que conviveram com ele.

JP: "Uma proposta libertária para estes dias tumultuados", qual o significado deste lema do filme?

Tendler – Uma globalização que integre também os pobres e não fique com esta concentração de renda: menos gente mais rica e mais gente mais pobre, excluída do processo civilizatório. Seria uma proposta político-social-libertária, na medida em que é uma política que propõe realmente a redistribuição de renda, mas não é uma proposta político-partidária. É uma proposta de fortalecimento dos movimentos sociais em escala mundial.

JP: Quais foram as dificuldades na realização do documentário?

Tendler – Comecei a montar o documentário em 2001 mesmo, depois de fazer a entrevista. A dificuldade foi armar um extenso quebra-cabeça, pois o pensamento do professor Milton Santos é muito complicado. Ele é um filósofo, não tem um pensamento linear. Transformar o raciocínio extremamente rico em imagem também é muito difícil. Foi complexo, mas muito enriquecedor. Adorei ter feito.

JP: Beth Goulart e Fernanda Montenegro são alguns dos atores que narram o documentário. Como funcionam as narrações?

Tendler – Como dizia nosso querido e saudoso Che Guevara, qualidade é respeito ao público. Por ser um filme voltado para o movimento popular, não deve ser feito sem carinho, sem qualidade técnica, estética, política... Estou cansado de filmes ultrapassados, nos quais apenas o próprio autor narra a história. Quero colocar para o espectador certas questões mais amplamente, fugir dos guetos do cinema. Trabalhei com atores conhecidos, com um ótimo nível dramatúrgico, que se identificaram com o filme: Beth Goulart, Osmar Prado, Fernanda Montenegro, Milton Gonçalves, Matheus Nachtergaele. E Zélia Duncan, pessoa muito querida, topou interpretar, especialmente para o filme, a música Terra, que Caetano Veloso cedeu gentilmente. Existe, então, um movimento de artistas que colaboraram para engrandecer a qualidade e aumentar o grau de comunicação com o povo.

JP: Como você encara o filme documentário brasileiro atual?

Tendler – Acredito profundamente no cinema político e na sua razão de ser. Esse filme tem a ver com a proposta libertária. Estou um pouco cansado do cinema documentário que não conduz a nada, que discute o próprio umbigo. Quero discutir a ética do mundo e não a minha estética.

Edição 184