Desenhos e anotações de Kurt Cobain ganham vida no documentário Montage of Heck, em uma aproximação pessoal inédita da vida do ex-líder do Nirvana, que cometeu suicídio em abril de 1994. Produção da HBO em parceria com a família de Cobain, o filme busca humanizar o músico, com relatos que vão da infância, em Aberdeen, Washington, aos últimos momentos da carreira da banda que bagunçou o cenário musical na década de 1990. O longa-metragem estreia no Rio no dia 18 de junho.
Em oito anos de pesquisa, o diretor Brett Morgen teve acesso a inúmeros vídeos e áudios caseiros e a cerca de 4 mil páginas de cadernos com diários, letras de música, listas de bandas favoritas e de metas a serem cumpridas. Com o material, é o próprio Cobain quem conduz a narrativa. Editor da revista Bizz na época da explosão do Nirvana, André Forastieri vê a iniciativa com bons olhos, mas receia ser mais do mesmo.
– A expectativa é boa. Mas não sei o quanto tem de novo para se falar. A vida do Kurt já foi tão escavada que eu não consigo imaginar uma abordagem nova. Tem um aspecto que não abordaram muito, que é o de fã. Ele era um nerd de rock e montou uma banda porque queria ser como os caras que ele ouvia. Se eu fizesse um documentário sobre ele, faria do Kurt até os 18 anos.
O cantor cresceu em um meio conturbado, marcado pelo divórcio dos pais. Depois do episódio, Cobain lidou com a rejeição da mãe e do pai, e começou a descontar as frustrações na música. Quando descobriu o punk rock, encontrou um refúgio, que mais tarde influenciaria diretamente os discos do Nirvana. Editor-chefe e repórter do programa Fantástico, Álvaro Pereira Júnior estava nos Estados Unidos quando o primeiro álbum da banda, Bleach, de 1989, foi lançado. Ele assistiu a um show do grupo em Boston, perto da cidade onde estudava, e comprou uma camiseta das mãos do vocalista.
– Na época, não percebi como eles seriam grandes. Eu e um amigo ficamos prestando atenção em uma mina linda o show inteiro. Em Boston, não vi a amargura que o Kurt tinha. Só no show que eles fizeram no Morumbi (em 1993) consegui perceber. Eles mudaram de uma banda iniciante para um fenômeno gigantesco.
O crítico musical do jornal O Globo Silvio Essinger também presenciou a passagem da banda pelo Brasil. Ele foi ao show no Rio, em janeiro de 1993, que descreve como “a única vez em que a Apoteose tremeu de verdade”. Porém, Essinger acredita que a música do grupo não se traduz tão bem para os dias de hoje, em que, para ele, o rock ficou menos perigoso e mais artificial.
– Quando eles tocaram Smells Like Teen Spirit, o concreto balançou. Foi mítico assistir a toda aquela fúria. O Nirvana foi a última banda a transformar desintegração em arte. Mas hoje eu não escuto mais. Já não me bate do mesmo jeito. Tinha uma coisa adolescente que para mim se perdeu. Continua potente, mas não envelheceu tão bem quanto o Black Sabbath ou o The Who.
Apesar da música, um dos aspectos mais lembrados da vida de Cobain continua a ser o suicídio com um tiro de espingarda na cabeça. O documentário apresenta alguns elementos que podem ajudar a montar o quebra-cabeça dessa decisão: o uso de ritalina na infância, o divórcio dos pais, o consumo de drogas desde a adolescência, o histórico de suicídios na família. Porém, como ressalta o psicanalista Marcus André Vieira, professor do Departamento de Psicologia, só o suicida entende suas razões.
– O suicídio ultrapassa nossa capacidade de entendimento e, ao mesmo tempo, não conseguimos não tentar entendê-lo. Talvez o melhor documentário seja aquele que não tente nenhuma hipótese. Do ponto de vista freudiano, as explicações não dão conta do suicídio, elas servem para que possamos viver com o suicídio. Porque o ato é impensável, imprevisível. É, por definição, uma loucura.