As escolas públicas e projetos sociais têm a função de desenvolver um papel fundamental dentro das favelas, desde a preparação das crianças para a vida profissional até a educação delas para a vida social. No entanto, segundo pesquisa liderada pelo sociólogo Marcelo Burgos, do Departamento de Sociologia Política da PUC-Rio, não é bem isso o que acontece na prática.
O estudo mostrou que os problemas vividos pelos estudantes nas comunidades carentes são levados para dentro dos estabelecimentos de ensino, causando um efeito negativo. A equipe, formada também pelas professoras Ângela Paiva e Sarah da Silva Telles, e por quatorze alunos de graduação em Ciências Sociais, selecionou quatro favelas cariocas como objeto de estudo: Santa Marta, Rio das Pedras, Nova Holanda e Cidade de Deus.
A pesquisa revela que os moradores de favela estão expostos a uma sociabilidade muito tensa e que essa configuração se reflete no comportamento da criança dentro da sala de aula. Nesse contexto, educadores enfrentam, praticamente sozinhos, o desafio de transmitir valores básicos e noções de cidadania aos alunos. Um professor entrevistado na pesquisa, e que teve identidade preservada, disse que os educadores freqüentemente não têm controle sobre as crianças.
– Meus alunos vão ao baile no domingo e, na segunda e na terça eles ficam cantando e batucando. Hoje mesmo uma professora de matemática veio dizer que não conseguia dar aula, virou discoteca! Ficam dançando os funkões proibidões. A gente tem que negociar para eles pararem de cantar, relatou.
Dentro das comunidades escolhidas, foram entrevistadas dez escolas públicas e aproximadamente 25 organizações não-governamentais (ONGs) e projetos sociais. Foram recolhidos depoimentos anônimos de vários professores e participantes de projetos sociais. Segundo Burgos, o objetivo da pesquisa é entender como os professores percebem as crianças.
O estudo constata que, de um lado, existem muitos professores desencantados e descrentes com suas atividades. De outro, há profissionais cientes de que é preciso abrir mão do ensino técnico, para assumir um papel de educador e formador de cidadãos.
– A violência da comunidade é um fator de desmotivação. No turno da manhã, os alunos chegam mesmo para dormir, porque se sentem seguros para descansar na escola. Dormem um sono profundo na sala de aula, porque teve tiroteio de madrugada, porque o bandido pulou laje ou porque o caveirão entrou, contou outro professor.
A tônica da maioria dos projetos sociais desenvolvidos nas comunidades carentes é a da elevação da auto-estima e da individualidade. Burgos explica, no entanto, que deveria-se pensar numa concepção de cidadania mais orientada para a idéia de participação e construção coletiva.
Segundo o sociólogo, os professores ainda não têm clareza de qual deve ser a atuação deles. Continuam com a lógica de que tudo é válido, de que, com recursos, se pode ensinar qualquer coisa. O estudo deve ser lançado em livro, pela Editora PUC-Rio, até o fim deste ano.
Edição 185