Quem passar pela Vila dos Diretórios com um olhar mais atento aos detalhes que compõem o local vai perceber que existe uma planta especial, em memória a um ex-aluno que marcou a história da Universidade. É a arvore do Raul. Torturado e morto durante a ditadura militar na década de 1970, o estudante Raul Amaro Nin Ferreira foi homenageado, em 2014, com o plantio da árvore, um sinal de vida e de resistência, para que a história dele nunca fosse esquecida dentro da Universidade. Porém, apesar de estar em uma área de grande circulação, poucos a notam ou sabem sobre ela.
A pequena muda de pau- -mulato (Calycophyllum spruceanum) foi escolhida pela família de Raul por ser a mesma planta que havia na casa do estudante. Ela fica no canteiro da Casa X, em frente ao Serviço Médico. No local, uma placa traz uma frase de Raul, como um convite à reflexão. O pau-mulato é uma planta ornamental, que atinge de 20 a 35 metros de altura. O tronco é retilíneo e só se ramifica no ápice. A casca é fina, de coloração esverdeada quando a planta é nova e escurece à medida que ela cresce.
O pau- -mulato pode ser encontrado em toda a região amazônica, especialmente ao longo do Rio Amazonas. Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Bolívia são os países onde existe a árvore. As flores são aromáticas, brancoesverdeadas e tem de 10 a 12 milímetros de comprimento. É usada na medicina caseira para tratar cortes, feridas e queimaduras, infecções, além de ter uma ação antioxidante.
A vida de Raul tornou-se conhecida na PUC em junho de 2014, ano do cinquentenário do Golpe Militar, após o plantio da árvore. A iniciativa, do Centro Acadêmico de História (Cahis), teve o apoio da Universidade. Além da árvore, um relatório sobre a morte do engenheiro foi publicado pela Editora PUC, com o livro Raul Amaro Nin Ferreira: relatório, escrito pelos sobrinhos do engenheiro.
Em 2015, o Diretório Central de Estudantes (DCE) passou a se chamar Raul Amaro. De acordo com Pedro Duarte Junior, atual presidente do DCE, a ideia foi do Vice-Reitor Comunitário, professor Augusto Sampaio, contemporâneo de Raul nos anos 1960.
Raul foi aluno da PUC-Rio e participou, depois de formado, de uma rede de apoio ao Movimento Revolucionário 8 de Outubro, o MR-8. Em 1971, foi preso durante uma blitz e encaminhado ao Departamento de Ordem Política e Social (Dops) da Guanabara. Depois de duas semanas de tortura, Raul morreu no dia 12 de agosto, no Hospital Central do Exército (HCE). Aos 27 anos, ele já havia se formado em Engenharia Mecânica, estava noivo e tinha acabado de ganhar uma bolsa de estudos na Holanda.
A iniciativa de plantar a árvore foi da professora Luciana Lombardo, do Departamento de História. Para ela, é importante ter um espaço que mostre que o assunto foi abordado na Universidade.
– O objetivo era materializar um pouco a lembrança, mas está fora do nosso controle decidir o que as pessoas vão lembrar, se o aluno vai parar na correria e olhar a placa. Não queremos também ritualizar isso, fazer uma “over-memória”. Acho que a homenagem cumpre o papel, e eu tenho o maior orgulho dela.
Aluno do 8º período de História, Lucas Pedretti foi um dos responsáveis pela realização do plantio. Apesar de ver no possível esquecimento da árvore um processo natural, Lucas e Luciana apostam na redescoberta do lugar de tempos em tempos. Para os dois, esse legado é fundamental, mas eles têm preocupação com um possível descuido do local. Luciana acredita que uma eventual morte da planta traria uma energia negativa.
– A cultura de plantar árvores que representem a vida dos mortos nasceu na Argentina. Acho que a árvore morrer de descuido é pior do que sofrer um possível atentado, por exemplo, dos enxergam aquele periodo de outra forma. A árvore ficar quieta ali e não incomodar é uma vitória estratégica.
Lucas considera que a história de Raul ainda será referência para a PUC.
– Assim como o Raul, outros alunos da Universidade sofreram consequências durante a ditadura. É fundamental que eles sejam lembrados por aqueles que hoje frequentam a PUC e que não desejam que passemos por isso outra vez.
Pedro Duarte também defende que soluções sejam propostas para que a memória de Raul Amaro permaneça viva no campus.
– Uma forma de aumentar a repercussão seria realizar uma comemoração anual, na data do plantio. Com a regularidade, de repente, a comunidade acadêmica ficaria sabendo. Se hoje as pessoas não sabem, ou pouco sabem, e o plantio foi ano passado, daqui a quatro anos ninguém vai lembrar.