A associação criminosa entre agentes repressores da ditadura militar e o jogo do bicho é documentada em Os porões da contravenção – Jogo do bicho e ditadura militar: a história da aliança que profissionalizou o crime organizado, livro-reportagem lançado no dia 30 de novembro pelos jornalistas Aloy Jupiara e Chico Otávio. A obra, que surgiu a partir de uma série de reportagens sobre o tema, publicada no jornal O Globo, em 2013, é resultado da análise de documentos e jornais da época, além de entrevistas com historiadores, advogados, militares e sambistas.
O recrutamento informal de militares pelo crime organizado teve origem no final da primeira metade da década de 1970. Com o fim da guerra suja – regime adotado em meio à ditadura militar brasileira –, os bicheiros viram no desmonte dos porões uma oportunidade para trazer para os seus quadros agentes insatisfeitos com a perspectiva de voltar à rotina dos quartéis. De acordo com o repórter especial de O Globo e professor do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio Chico Otávio, a aliança foi um jogo de mão dupla, onde prevalecia a troca de favores.
- Foi um aliciamento em que os dois lados tinham vantagem. Os militares e policiais, porque tinham no bicho o poder que eles estavam perdendo na repressão, e o bicho porque ganharia esse reforço de pessoas altamente preparadas para o combate nas ruas.
Sob a tutela dos militares, e com fama e prestígio conquistados por meio das escolas de samba, figuras como Aílton Guimarães Jorge, o Capitão Guimarães, Anísio Abraão David e Castor de Andrade barbarizaram a Baixada Fluminense. Considerado o símbolo do processo de “profissionalização do bicho”, Capitão Guimarães iniciou carreira no Exército em 1953. Na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), o baixo desempenho escolar o levou ao Serviço de Intendência, parte da logística voltada para as atividades de suprimento. Este episódio foi o ponto chave da ascensão de Guimarães no crime organizado.
O bicho, segundo o professor, deixa de ser o mesmo com a chegada de Capitão Guimarães. Para ele, a formação de intendência deu ao contraventor instrumentos para reformular uma atividade até então desorganizada e sem cadeia de comando.
- O Guimarães, quando pede demissão do Exército, em 1981, é um capitão já com uma razoável experiência na repressão e, além disso, com conhecimento em logística, compras, organização, estoque, transporte. Todo esse conhecimento é levado por ele para dentro do jogo do bicho.