“Jornalismo brasileiro deixou a investigação social de lado”
31/05/2016 14:58
Lucas Paes

Jornalistas Bruno Quintella e Claudio Renato Passavante discutem com alunos transformações vividas pela profissão desde a morte de Tim Lopes, em 2002.

Bruno Quintella e Claudio Renato. Foto: Lucas Paes

O assassinato do jornalista Tim Lopes, da Rede Globo, em 2002, ampliou as discussões e a preocupação com a segurança do trabalho jornalístico no Brasil. Desde então, repórteres investigativos são acompanhados por seguranças em reportagens especiais (como Eduardo Faustini, também da Globo), e o protocolo de segurança foi intensificado, muito embora casos mortes de jornalistas em atividade ainda ocorram – foram sete ano passado. Por outro lado, como consequência, investigações jornalísticas sobre problemas sociais perderam espaço para casos de corrupção ou crimes policiais. É como avaliam os jornalistas Claudio Renato Passavante, editor e produtor da Globonews, e Bruno Quintella, produtor da TV Globo, que estiveram nesta segunda-feira, 30, na PUC-Rio, em debate com alunos do Departamento de Comunicação da PUC-Rio, a convite do professor Chico Otavio.

– Tim era um jornalista que se envolvia nas pautas. Foi capaz de dormir com moradores de rua, trabalhar por dois dias nas obras do metrô e passar semanas internado em clínicas de recuperação para dependentes químicos. Ele tinha preocupação com o lado humano das histórias, e não somente com os fatos. No entanto, depois da sua morte, o legado que deixou não ganhou continuidade e os repórteres voltaram a fazer mais do mesmo –lamentou Claudio Renato.

Como causa para a “crise” especificamente na televisão, último veículo para o qual Tim trabalhou, Quintella apontou a busca por audiência. No desejo de conquistar o público, produtores de conteúdo “priorizam escândalos envolvendo números vultosos, capazes de assustar e chamar a atenção das pessoas”. O lado humano, com isso, é deixado de lado.
– Meu pai morreu com o desejo de falar sobre a vida dos caminhoneiros. No entanto, não vejo essa história se encaixando no formato atual da televisão, devido aos interesses e ao limite de tempo. A solução para recuperar a profundidade das investigações seria a tomada de atitude pelo próprio jornalista, que precisa ter coragem para enfrentar as imposições e estranhar a escolha de pautas nos locais onde trabalha – disse Quintella, filho de Tim, após a exibição do documentário Histórias de Arcanjo (2013), do qual é roteirista.

Claudio Renato fez coro ao colega e lembrou que, nos anos 1980, “uma das maiores conquistas era rasgar a pauta”, ou seja, conseguir transformar um assunto teoricamente menos relevante em uma história digna de manchete. Para isso, era preciso “estar atento e ter um olhar contextualizador sobre os fatos”, afirmou.

Os jornalistas abordaram também o uso da microcâmera, companheira de Tim ao longo da sua carreira na TV. Quintella e Claudio Renato discutiram a validade desse recurso para a captação de informações, diante de dilemas éticos:

A discussão em torno da microcâmera não se atém somente à qualidade dela na obtenção de imagens. Estamos falando de um tema que envolve o compromisso ético do dever de jornalista. É válido entrar em contato com outras pessoas e extrair dela alguma informação confidencial sem que elas tenham noção da filmagem? Essa pergunta encontra respostas diferentes em épocas diferentes – avaliou Quintella.

Para Claudio Renato, a microcâmera, em certa medida, já é “um recurso ultrapassado”. Apesar de pequena, ela pode ser substituída por outros aparatos tecnológicos mais acessíveis, como os smartphones dos próprios jornalistas:

– Os repórteres usam seus smartphones em diversas etapas da apuração. É difícil pensar que alguém prefira a microcâmera, cujo funcionamento requer um pouco mais de conhecimento técnico. O celular não vai causar desconforto em ninguém e provavelmente não será apontado como objeto estranho em uma conversa com o suspeito.


Desafio de lembrar a dor

Em meio às opiniões sobre os rumos do jornalismo, Quintella lembrou a experiência de escrever e narrar a trajetória do seu pai em Histórias de Arcanjo. No documentário, dirigido por Guilherme Azevedo, pontos da infância, carreira e vida pessoal de Tim Lopes são retratados, assim como o momento de sua morte:

– O filme foi um desafio muito grande, porque misturei muitas coisas em um mesmo trabalho. Tive de resgatar a relação com meu pai, pensar na semelhança das nossas profissões e processar a minha própria relação com a morte. Também voltei a ter contato com o jornalismo impresso, porque resolvemos dar um enfoque especial ao tema. Frequentava as redações dos jornais quando era pequeno, mas me distanciei disso quando entrei para a televisão – contou.

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