O filme Retratos de Identificação, de Anita Leandro, foi exibido no dia 9 de junho, durante a mostra Pra Não Esquecer, e relata a vida da militante política Maria Auxiliadora Lara Barcellos, cujo codinome era Dora. A personagem principal resistiu à ditadura militar, foi presa, torturada e cometeu suicídio por não conseguir superar o trauma. Após a exibição, a professora Liliane Heynemann, do Departamento de Comunicação Social, e a doutoranda Patrícia Machado debateram sobre o longa.
Segundo Patrícia, a diretora do filme tentou criar uma narrativa na qual as próprias vítimas da tortura pudessem falar e organizou os relatos a partir das fotografias que eram feitas dos presos políticos em diversos momentos: investigações, prisões, torturas, exames de corpo de delito e necropsias. Dessa forma, Anita trouxe vida e voz à personagem Dora.
- O arquivo não fala sozinho, ela (Anita) está ali para contar uma história e o cinema está aí para isso - ressalta.
Dois sobreviventes da tortura foram filmados a partir da primeira reação que tiveram ao olharem fotos de suas prisões: Antônio Roberto Espinosa, que era comandante da organização VAR-Palmares, e Reinaldo Guarany, da organização armada Aliança Nacional Libertadora (ANL). À medida que veem as lembranças do passado, relembram os momentos de terror da tortura. Espinosa também foi testemunha do assassinato de Chael Schreier durante uma sessão de tortura.
Dora, Espinosa e Schreier moravam no mesmo apartamento e foram presos na mesma ação policial e levados ao Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). Os três também foram levados para uma sessão de tortura coletiva. Schreier já estava muito mal antes de tomar a coronhada e os choques que o fizeram perder a consciência e a vida. Os gritos de Chael cessaram, mas a notícia da morte dele salvou a vida de Espinosa. O caso foi o primeiro de tortura documentado e registrado por um veículo de comunicação do país.
Reinaldo Guarany foi exilado, junto com Dora e outros 68 presos políticos, em troca do embaixador suíço Giovanni Bucher, que fora sequestrado. Ele viveu em Berlim com Maria Auxiliadora e conta como foram os últimos meses da militante, que não conseguiu superar os traumas da tortura e acabou se jogando na frente de um trem. Para Patrícia, diante dessas marcas deixadas na trajetória do Brasil, a mostra Pra Não Esquecer quer deixar claro o que foi a ditadura.
- A nossa história ainda sangra. A tortura é uma forma de exercer poder, mas trata-se de uma violação dos direitos humanos e não se justifica de maneira nenhuma – aponta.
Na prisão, além de serem torturadas, as mulheres eram violentadas. No filme, Dora conta que foi colocada em uma sala com 15 homens da polícia, onde levava bofetadas, na intenção de deformarem seu rosto. Ela explica que a polícia colocava música em alto volume enquanto espancavam as pessoas. Os torturadores pareciam excitados com aquele momento, como se fosse um ritual festivo. Para a professora Liliane Heynemann, o filme faz com que o real vire algo sagrado.
- Os arquivos resistem. Usar o arquivo da própria ditadura faz parte de uma herança que não deve ser esquecida. O filme da Anita imprime um ato corajoso.