Paulo Cezar Caju, uma das feras da seleção tricampeã do mundo em 1970, reforça o time dos que viveram uma história de superação. Ele compartilhou bastidores da virada contra as drogas com os estudantes reunidos no Papo de Quinta, semana passada, na PUC-Rio. Aos fãs das novas gerações, Caju recordou, com a habitual franqueza, como venceu talvez a principal disputa nos 67 anos de vida.
Para o garoto da Cocheira, favela da Zona Sul carioca, o futebol representava a esperança comum a outros tantos garotos negros e pobres, a esperança da ascensão socioeconômica. O moleque bom de bola não tardou em se consumar um talento do futebol brasileiro. Revelado pelo Botafogo, logo aos 18 anos, em 1967, já seria comvocado para a seleção. Embora tenha colecionado títulos e, mais que isso, o reconhecimento mundial como um dos maiores craques da história dos gramados, Caju lembra com especial orgulho de uma vitória fora do campo: o primeiro apartamento que deu para a mãe, na Gávea, quando tinha só. apenas 19 anos.
Campeão no Flamengo, Botafogo, Fluminense, campeão mundial no Grêmio, em 1983, o ex-meia-atacante conta que, a despeito do estilo insinuante, "sempre foi muito disciplinado e não usava nenhum tipo de droga". Ele se arrepende só de um drible na direção do Olympique de Marseilha, clube francês pelo qual jogou em 1975:
– Conseguiu uma liberação para vir ao carnaval do Rio ver a Mangueira, minha escola do coração. Voltei para a França depois do prazo combinado e o time já havia viajado para um jogo em outra cidade. Tive que ir atrás do time de carro, e fiquei na reserva – lembra Caju, que também lubrificou, ao lado de Rivelino, Dirceu e outros bambas, a Máquina tricolor bicampeã carioca em 1975/76.
Paulo Cezar Caju, Foto: Isabella Lacerda
A disputa contra as drogas começaria bem depois, quando Caju já estava se aposentado. Foi comemorar um aniversário em uma lancha com os amigos, "que levaram muitas drogas lícitas e ilícitas". Acabaram convencendo o ídolo do Botafogo a experimentar cocaína, conta ele: "A pior coisa que fiz na vida". Emocionado, ele enfatiza:
– Experimentar cocaína foi a pior coisa que fiz. Ela te prende, mas não te prende sozinha, sempre traz outra droga de acompanhamento. No meu caso, foi o álcool. Cheirava e bebia o tempo inteiro. Eu era rico, então tinha facilidade para conseguir. Acabei vendendo muitos imóveis para sustentar o vício. Um dos que mantive foi o primeiro, que comprei para a minha mãe, aqui na Gávea.
O vício acompanhou por 15 anos o bicampeão carioca pelo Botafogo (1968-69). A família e os amigos, reconchece ele, foram "parte fundamental" à recuperação. Aos 50 anos, Caju daria um olé definitivo na dependência química. Calejado pela ewxperiência, ele ressalta a importância "de se olhar mais para os dependentes químicos, que cada vez menos seguem um estereótipo":
– Não podemos deixar esse problema escondido. É um assunto que precisa ser debatido. A dependência pode atingir qualquer um. Dia desses eu conversava com um amigo, empresário importante aqui do Rio, e ele me contou que o filho está dependente de cocaína. O rapaz tem 20 anos, é rico, bonito, estuda em uma boa faculdade. [O vício] Não tem um público exato. Também me lembro de quando fui na Rocinha (favela carioca) inaugurar uma quadra de esportes e vi várias crianças de 13, 14 anos, com capuz, cobrindo o rosto e trabalhando para o tráfico. Todos são afetados.
Caju evoca igual preocupação com o racismo. Para ele, a discriminação, na sociedade e no futebol, segue significativa. Embora declare frequentemente o amor pelo Rio, o agora morador de Florianópolis aponta um avanço de práticas preconceituosas na ex-capital da República:
– O Rio é muito preconceituoso. Às vezes me dá tristeza ao andar por aqui. É a minha cidade, eu a amo muito, mas não tem como viver aqui mais. A maneira como sou tratado aqui é muito diferente da de outros lugares, a situação do negro no Rio não anda nada fácil.