Na Fevuc, lembranças de uma tragédia
25/06/2007 15:00
Rafaela Reinhoefer (texto e foto)

No dia seguinte ao aniversário de sete anos do seqüestro do ônibus da linha 174, Damiana Nascimento de Souza, uma das sobreviventes, relembrou a tragédia. Ela esteve na PUC-Rio durante a Feira de Valores da Universidade Católica, a Fevuc.

Damiana e a neta Yasmin
"Posso tirar uma foto sua?", disse para Damiana Nascimento de Souza, de 48 anos, sem saber que ela havia sido uma das sobreviventes do seqüestro do ônibus da linha 174, ocorrido no dia 12 de junho de 2000. Mulher de aspecto triste, ela vendia panos de prato e outros desses úteis para a casa, todos cuidadosamente bordados. Sete anos e um dia depois da tragédia, estava lá Damiana, por trás de uma das barracas da Feira de Valores da Universidade Católica (Fevuc), nos pilotis da PUC-Rio. Eu, aluna do curso de Comunicação Social, fazia fotos para uma matéria da faculdade. Iniciou-se, entre nós duas, uma conversa que me fez deixar de lado a máquina fotográfica. O que ouvi, tenho certeza, não vou esquecer.

– No Dia dos Namorados de 2000, eu saí com a Geísa [Gonçalves, vítima fatal do episódio] para trocar um cheque no banco e, no caminho, o ônibus foi seqüestrado. Foram cinco horas de terror. No começo, a gente achou que todo o mundo ia sair bem, mas conforme o tempo foi passando, ele [Sandro do Nascimento, o seqüestrador] foi ficando mais desesperado. A partir daí, eu comecei a passar mal, contou.

Damiana teve um derrame no ônibus. Ela lembrou que Geísa – com quem tinha um relacionamento de mãe e filha – gritou, desesperadamente, quando viu que Damiana passava mal. "Pelo amor de Deus, não mate a minha mãe", implorava ao seqüestrador. Segundo Damiana, ele escutou o pedido, mas exigiu que Geísa fosse até a janela do ônibus para negociar com os policiais. "Como o que ele queria não foi atendido, começou a aterrorizar todo o mundo. Apesar de todo o desespero, eu jamais esperava que a vítima fosse a minha filha. Ele tinha dito que não mataria ninguém da Rocinha", contou.

Quando Geísa foi morta a tiros, no desfecho da tragédia, Damiana não estava mais no local do seqüestro. Ela havia sido removida do ônibus momentos antes, devido a seu estado de saúde. Só soube da morte da amiga e "filha" no dia seguinte, deitada na cama do hospital. "Se eu estivesse em sã consciência, jamais teria deixado ela ali", enfatizou. "Nunca mais vi a Geísa. O corpo foi levado para o Ceará, e lá ela foi enterrada sem eu poder me despedir", lamentou Damiana. As duas costumavam passar o dia juntas. Eram vizinhas e davam aulas de artesanato para crianças na mesma escola.

Depois da tragédia, Damiana ficou três anos sem andar e quase seis sem falar. Durante esse período, tentou o suicídio:

– Para mim, a vida não existia mais. Eu queria morrer. Mas Deus sabe de todas as coisas, e agora estou aqui.

Quem vê Damiana hoje, não imagina que ela viveu experiências tão traumáticas. Comunica-se perfeitamente e consegue caminhar, ainda que com o auxílio de uma muleta. Trabalhou na Fevuc e pretende participar de todos os bazares promovidos pela PUC, como fazia antes do seqüestro. Anos atrás, Damiana ingressou no projeto Clube do Cidadão, que teve o seu primeiro núcleo criado pelo padre Laércio Dias de Moura, antigo Reitor da Universidade.

Damiana começou a se recuperar a partir do nascimento de sua neta Yasmin, hoje com 5 anos, portadora de deficiência física. "Quando vi como ela lutava para viver, também voltei a lutar para viver", disse Damiana, que vê muitas semelhanças entre Geísa e a neta.

– Ela nasceu com as costas abertas, e a Geísa morreu com tiros nas costas. Achei muita coincidência. Sei que pode parecer maluquice, mas, na minha cabeça, a Yasmin é a Geísa, disse.

Depois da conversa, e da entrevista, e da matéria, fiquei pensando em quantas histórias – tão incríveis e comoventes como a de Damiana – há na vida dos que transitam diariamente pela PUC. E me senti satisfeita por poder tornar público ao menos um relato.

 

 

Edição 188