Segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP) do Rio, desde o início deste ano, 32 policiais já morreram, e a onda de violência que atinge a cidade tirou, em média, 15 vidas por dia nos meses de janeiro e fevereiro de 2018. Dados do ano passado atestam que 6.731 pessoas foram assassinadas no Estado em 2017, entre elas, 134 policiais militares. Os inúmeros confrontos no Rio tiram vidas de civis e militares, todos os dias, na cidade que, no passado, foi chamada de maravilhosa.
Uma das vítimas entre as 1.124 pessoas mortas pela Polícia Militar (PM) do Rio de Janeiro em 2017 foi a estudante Maria Eduarda Alves da Conceição, de 13 anos, baleada dentro da Escola Municipal Daniel Piza em Acari, na Zona Norte do Rio, por disparos de um cabo. No último dia 30, um ano exato da morte da menina, a ONG Rio de Paz a homenageou e mais outras 47 crianças mortas na cidade nos últimos 11 anos. Presente na manifestação, o pai do menino Benjamin da Silva, de um ano e 7 meses, morto no Complexo do Alemão no mês passado, Fábio Antônio da Silva acredita que usar a violência como resposta contra a violência não trará a paz.
— O local da morte do meu filho foi uma via pública, onde todo mundo pega ônibus, faz compras, lancha, uma via que você não vai imaginar que terá um tiroteio na hora que foi. A nossa sensação de liberdade está acabando, e trocar tiro não é estratégia.
A mãe de Maria Eduarda, Rosilene Alves Ferreira, agradeceu a presença de todos na manifestação. Ela chegou em um ônibus lotado de estudantes da escola da menina, e usava uma camisa com a imagem dela com a vereadora Marielle Franco, assassinada em março. Rosilene gritou o nome da ativista na areia ao lado das crianças, e lembrou do apoio que recebeu de Marielle quando a filha foi morta. A mãe da menina, que ainda não recebeu respostas sobre o julgamento dos policiais envolvidos no episódio, abraçou outros pais e deu apoio a outras famílias que estavam no ato.
— É muito triste ver outras crianças morrendo também, como a minha filha morreu, por falta de prudência. Enquanto houver essa falta de prudência, mais pessoas vão morrer, isso não vai parar.
Apesar de o ato ter homenageado crianças de até 14 anos, outras famílias pedem por justiça na cidade. Irmã do policial militar Michel Galvão, 32 anos, morto um mês antes de Maria Eduarda no ano passado, Natália Galvão ainda não tem respostas sobre quem tirou a vida do irmão. Ela conta que, no momento da morte, ele trabalhava na Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do Jacarezinho, e que o irmão enfrentou diversos problemas, como falta de preparo e de estrutura no trabalho.
— Ele morreu no primeiro dia no grupo de Operações Táticas, que era a UPP. Era para ele ter recebido treinamento antes de entrar, mas já o colocaram de cara. Ele trabalhava sem receber, morreu e não recebeu, trabalhava por amor.
Natália revela que seu irmão fazia reivindicações dentro da polícia. Em um áudio que gravou em 2015, Michel reclamava da falta de apoio e fazia críticas ao projeto da UPP que, segundo ele, estaria falido. A irmã do policial diz que quando vê outros policiais assassinados revive a dor que sentiu quando o irmão morreu.
— Quem matou meu irmão foi o sistema da PM, assim como a maioria dos PMs que estão morrendo. Os policiais que estão na rua que pagam pelos erros dos grandes.
O professor Marcelo Burgos, do Departamento de Ciências Sociais, acredita que a polícia militar é uma instituição pouco compatível com o atual modelo democrático do país. Para Burgos, a questão não é a índole de cada policial ou uma dificuldade pessoal, o problema é da instituição que vitimiza os próprios profissionais da polícia, porque eles morrem, são feridos e têm problemas sérios de saúde. Além de tudo, assinala o pesquisador, são vítimas de um desprestígio social.
— As duas maiores vítimas desse modelo são a população, que está exposta a uma polícia que frequentemente foge do controle das autoridades, e o próprio policial, em geral o policial de baixa patente, que está no front, se expondo a um tipo de risco.
Em concordância com o professor, o cabo Ribeiro, do 23º BPM (Leblon), acredita que o alto índice de morte de policiais militares está vinculado ao Estado e a má estruturação da polícia. Para o policial, os agentes que trabalham na rua estão propícios a cometer erros por conta da falta de apoio e condições de trabalho. Ribeiro crê que a solução seria um planejamento educacional, para melhorar a escolaridade da população, e melhor distribuição de renda. Para ele, ambos fatores trariam melhor condição de vida para uma população marginalizada e negligenciada pelo Estado.
— Meu maior medo realmente é ir trabalhar e não voltar. Eu tenho família, e uma coisa que as pessoas não enxergam na gente é que nós somos seres humanos. Quando olham o policial, veem a representação do Estado, veem o uniforme, mas esquecem que, vestindo aquela farda, há um cidadão, e um pai de família.