Temas com pegada social, uso de recursos gráficos, diálogo com o estrangeiro, mas com referências modernistas. É assim que poetas contemporâneos e professores da área falam de um novo perfil poético no Brasil, no qual não há mais padrões de escrita. Desde o romantismo até o modernismo, segundo os especialistas, existiam algumas regras textuais obrigatórias, e elas eram reforçadas pelos escritores da época. A partir do movimento tropicália, dizem os autores, houve um rompimento da rigidez estética e, por isso, não há mais um modelo a ser seguido. Dessa maneira, conteúdos diversos, por exemplo, racismo, e feminismo podem ser escritos com forma rígida ou livre.
Movimento de ruptura que sacudiu o ambiente da música popular e da cultura brasileira entre 1967 e 1968, o tropicalismo lançou grandes artistas como Caetano Veloso e Gilberto Gil, e fez 50 anos neste ano. Com o lema “é proibido proibir”, a tropicália trouxe, e reforçou, a ideia de que as produções feitas no Brasil são brasileiras, independentemente da classe social e da cor da pele. Para o professor Paulo Henriques Britto, do Departamento de Letras, a “lição” deste movimento é dar início a projetos mais diversificados, presentes hoje em dia sobretudo nas redes sociais. Além disso, o autor de Formas do nada crê que esse momento de pluralidade é crucial para falar de poesia sem termos de agrupamentos ou escolas. Ele salienta que, há 50 anos, essas linhas características eram intensificadas nas produções literárias e que, atualmente, os autores contemporâneos mesclam diferentes referências, inclusive as internacionais.
– Ao ler um poeta contemporâneo, você tem que saber que ele não vai estar dialogando só com autores brasileiros. Mas também com poetas estrangeiros que você pode nunca ter ouvido falar. Finalmente, caiu um tabu horrível que o poeta brasileiro só pode fazer poesia sobre Brasil, sem usar o estrangeirismo – diz.
Britto também afirma que o momento de glória da poesia foi no século XX, mas perdeu o espaço para a música popular, principalmente nos anos 60. Ele lembra que era do tempo em que via meninas trocarem com meninos poemas, e depois esse hábito foi substituído por letras de canções. Atualmente, o escritor vê uma mudança para o rap, que julga ser uma forma de poesia oral.
– O rap é uma outra forma de arte que eu diria ser mais próxima da poesia, estritamente falando do que a canção, porque ela é completamente híbrida. O estilo tem um pé na música e outro na poesia. O rap não tem forma estrófica, por isso que ele parece mais uma poesia oral. O grande público agora, para mim, é desse gênero musical, não mais de poesia, nem de canção - afirma.
De acordo com o professor Frederico Coelho, também do Departamento de Letras, outro traço contemporâneo é usar recursos gráficos e audiovisuais, encontrados nos livros e nas redes sociais. Ele destaca que tudo está em aberto, sobretudo os formatos de escrita e as formas de interpretação de texto, porque a geração da atualidade recebe diferentes influências.
– No Facebook, podemos usar texto com imagem, vídeo, então você fica no apego do texto transbordar o sentido apenas na leitura tradicional. É legal pensar que tudo está em aberto, e isso sempre acontece nas novas gerações. São novos desafios para a linguagem, novos temas, mas todos acabam de alguma forma assentando no livro – conta.
Depois de mais de dez anos, o poeta Carlos Cardoso retorna à produção literária com o livro Na Pureza do Sacrilégio. A obra recebeu elogios dos escritores Antonio Cicero e Silviano Santiago, que o associou a Fernando Pessoa e a Octavio Paz. Para Cardoso, seus textos refletem mais sobre a vida, diferentemente dos escritores do século XIX.
– Silviano faz uma aproximação ao Fernando Pessoa e ao Otávio Paz, mas eu diria que eles buscam muito mais questões existenciais, e fala-se pouco da temporalidade. Há uma presença forte de questões sócio-políticas em alguns poemas. Eu diria que a maioria é sobre questões existenciais e de vida, eu acho que a maioria fala de vida - reforça.
Como um contorno contemporâneo, a parte gráfica ficou sob os cuidados da artista plástica Lena Bergstein, na qual ela pinçou palavras chaves dos poemas e as transformou em grafites. Com 42 textos que apresentam reflexões sobre a vida, ele define o trabalho como forte e impactante.
– Esse projeto com a Lena Bergstein, que é uma artista plástica, trabalha a relação do texto com a imagem. Ela recebeu os poemas e, a partir dos textos, pinçou palavras ou frases em que se identificou de alguma forma para montar imagens que compõem o livro – diz.
Em 2007, a poesia ocupava o quarto lugar entre os gêneros mais lidos do país, de acordo com a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo Instituto Pró-Livro. Atualmente, ela ocupa o oitavo lugar, e uma das razões apontadas por Coelho é a existência de um “certo preconceito”, porque, ressalta, os leitores qualificam esse estilo como elitizado.
– A poesia do livro é outra situação que sofre, até hoje, certo preconceito, porque é um lugar menor na livraria. Os leitores também acreditam que é um tipo de leitura de elite, pois é algo que não faz parte do cotidiano. Isso é uma pena, já que a força da poesia é muito grande do ponto de vista do que você pode se inspirar quando você lê ou pensa poesia na vida – salienta.
Em contrapartida, a poeta e ex-aluna de Comunicação Social da PUC-Rio, Alice Sant’Anna, considera que a poesia ainda é relevante no mercado, e aponta que há várias publicações de poetas e de antologias atualmente. A autora de Pé do Ouvido acredita que a falta de interesse em ler este gênero vai diminuir, já que houve um aumento em mesas de debate, clubes de leitura e festivais sobre literatura.
– A poesia anda muito bem. É claro que continua sendo um gênero menos lido que a prosa, mas ainda assim há bastante interesse. Há muitos poetas publicando, muitas antologias sendo lançadas, muitos grupos se formando, muitas editoras pequenas surgindo, muitas mesas, festivais e leituras acontecendo. Se você for a uma feira de poesia, vai ficar surpresa com a quantidade de leitores e poetas criando coisas novas. Parece que aos poucos vamos deixar de lado aquela ideia de “não leio poesia porque não entendo disso”, como se a poesia fosse só para iniciados. Não é – afirma.
O interesse pela área literária surgiu aos 15 anos, depois de um intercâmbio para a Nova Zelândia, quando Alice começou a escrever sobre viagens, seu tema preferido. Ela conta que ficou em dúvida entre jornalismo e letras, mas escolheu a primeira opção para graduação, e a segunda para mestrado e doutorado. Temas como feminismo são amplamente escritos hoje em dia e, segundo a escritora, a poesia é um reforço, porque há mais mulheres do que homens que publicam
– O machismo ainda prevalece em quase todas as áreas, mas na poesia, felizmente, vemos uma exceção à regra. Há muitas poetas mulheres excelentes escrevendo e publicando no Brasil. Diria até que são mais poetas mulheres do que homens – conta.