Do retalho às passarelas
20/08/2007 16:00
Ludmila Lima / Fotos: Carolina Jardim



Mulheres do Salgueiro fazem do lixo moda

Além das cinco costureiras fixas, outras ajudaram na elaboração de roupas para o desfile

O barulho das oito máquinas de costura não pára nem de madrugada. Pouco a pouco, com pequenos retalhos, elas transformam o que antes era lixo em roupas de passarela. Em um ateliê em São Gonçalo, as Mulheres do Salgueiro trabalham ininterruptamente para realizar um sonho: o desfile da primeira coleção. Resta pouco tempo para 6 de julho, o tão esperado dia em que elas terão finalmente a oportunidade de mostrar o seu trabalho. Juntas há três anos, as cinco mulheres - apoiadas pela Incubadora Social de Comunidades da PUC-Rio -, vêem na moda uma forma de melhorar de vida.

As costureiras Vilma Silva, Margarida Farias, Ivania Souza, Mirian Oliveira e Vânia dos Santos enfrentam diariamente a dura rotina de trabalhar horas a fio sem receber nada que possa lhes ajudar no sustento da casa. No entanto, para elas, a iniciativa do projeto é um investimento para, no futuro, gerar frutos e reconhecimento. E é exatamente esta a proposta da Incubadora: oferecer uma alternativa de trabalho para quem não tem oportunidade. Com a esperança de retorno financeiro, elas largaram temporariamente as pequenas confecções nas quais trabalhavam por conta própria, e se dedicam à elaboração das roupas e acessórios para o desfile.

Construído pela ONG O Campo, o espaço em São Gonçalo é um centro de formação onde se trabalha a questão da exclusão digital e da inclusão social. A gerente da Incubadora Social de Comunidades, Cátia Jourdan, afirma que a parceria com a Universidade tem um ano, mas o processo de cidadania já vem sendo desenvolvido há mais tempo. "A PUC entrou aqui para poder estimular o empreendedorismo; é um processo de aprendizado. É necessário saber se o mercado vai aceitar a iniciativa, pois todas aqui precisam de dinheiro."

Vilma Silva, de 50 anos, é um bom exemplo disso. Sua pequena confecção foi fechada há duas semanas para que pudesse se dedicar integralmente ao desfile. Pelo sonho de ver as roupas na passarela, deixa de faturar cerca de 1.200 por mês devido ao ritmo intenso de trabalho. "Mas já não ganho tudo isso, pois não pego mais costuras particulares como antes", diz a costureira. Preocupada com a falta de dinheiro e as contas no fim do mês, sente pela primeira vez a angústia de trabalhar sem obter retorno. "Tenho dívidas e não vou ter como pagá-las. Depois do desfile, pretendo continuar a trabalhar aqui, mas não vou poder me doar tanto como faço agora", assinala Vilma.

Chega o tão esperado dia do desfile, e os holofotes se voltam para a passarela, montada no Centro de Convenções Mourisco, na Praia de Botafogo. As modelos – todas da comunidade -, desfilam as peças de cores quentes, à espera do verão. Os olhares atentos do público e dos representantes de algumas empresas como o Banco do Brasil e a Previ, que apóiam o projeto, acompanham tudo até o momento da celebração do fim do desfile. As cinco costureiras são chamadas ao palco, e ali recebem, das mãos de Cátia Jourdan, o certificado de empreendedora solidária. A difícil batalha por um momento de reconhecimento agora pertence somente ao passado. "Superou minhas expectativas, estou muito emocionada. Todo o esforço valeu a pena, é muito gratificante. Vou procurar dividir melhor meu tempo, não penso em parar. Estou muito feliz", diz Vilma, com um sorriso nos lábios e lágrimas nos olhos. Mais que o fim de um desfile, aquele dia é apenas o começo de um sonho.

Algumas das criações feitas a partir do material
reaproveitado, que iria para o lixão. As roupas
representam um sonho para as costureiras do Salgueiro,
que largaram suas confecções para se dedicar ao projeto

  

Edição 189