A platéia do festival ficou assustada com a introdução das guitarras elétricas oriundas do rock inglês.
– A idéia era mostrar a marcha tradicional tocada por instrumentos elétricos, conta o maestro Júlio Medaglia, autor dos arranjos de Alegria, Alegria. O choque de linguagem foi enorme e houve vaias e protestos por parte do público. Mas, durante a execução, as pessoas se convenceram de que aquilo era um novo conceito musical. No final, Caetano saiu aplaudido.
Cinema, teatro e a poesia concreta influenciaram o surgimento da Tropicália. O nome veio da obra do artista plástico Hélio Oiticica. "Era uma espécie de instalação, um grande labirinto que estava exposto no Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro, naquele mesmo ano", explica o pesquisador Frederico Coelho, do Núcleo de Estudos Musicais da Universidade Cândido Mendes (Ucam).
Da obra "Tropicália", o crítico musical Nelson Motta tirou o termo para denominar o movimento. Ele foi utilizado pela primeira vez no início de 1968, em sua coluna no jornal Última Hora.
– Caetano Veloso não gostou da minha escolha na época, lembra o jornalista. Entretanto, com o passar do tempo, ele e os outros artistas perceberam que não existia nome mais apropriado, inclusive para a difusão no exterior. Era comum ouvir americanos e europeus comentando sobre o "Tropicalism".
A irreverência da estética tropicalista era encontrada também nas roupas dos artistas e nas capas dos discos. "As capas eram bem coloridas e reuniam os elementos característicos do movimento, como a fusão entre o novo e o antigo e entre as culturas popular e elitista", descreve a pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Mônica Kornis.
O uso do palco nos shows se opunha ao "banquinho e violão" da bossa nova. A professora Santuza Naves afirma que os tropicalistas chegavam até a atuar em seus shows: "Ao contrário dos bossa-novistas, eles vão assumir o palco radicalmente".
Os valores apresentados pelo Tropicalismo eram contrários aos interesses da ditadura militar, então recém-instalada no país. O embate ideológico resultou na prisão e no exílio de Caetano e Gil, principais expoentes do movimento. Com os dois em Londres, Gal Costa se tornou a representante do movimento no Brasil. A não castração do Tropicalismo pela ditadura se deveu muito à cantora nessa fase. "Os tropicalistas eram, de certa forma, revolucionários, porque propunham uma renovação dos costumes", afirma o historiador Daniel Aarão Reis, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF). "Embora houvesse setores mais modernos no governo, os conservadores ainda predominavam. Eles queriam proibir o uso do biquíni, por exemplo" , acrescenta.
Embora o grupo tenha protestado contra a repressão da ditadura, Aarão Reis acredita que não se pode estabelecer uma relação entre ele e os partidos de esquerda. "As esquerdas políticas mais engajadas, mais militantes, ainda eram muito caretas do ponto de vista musical", analisa o historiador. "Elas eram predominantemente ortodoxas e a Tropicália rompia com os cânones da chamada MPB."
As desigualdades sociais geradas com o desenvolvimento capitalista e o modo de viver da burguesia também foram alvos de críticas do Tropicalismo. Para o pesquisador Frederico Coelho, da Ucam, o movimento foi pioneiro ao dialogar com as novas formas de cultura de massa no Brasil, como a televisão e as revistas da época. "Além disso, eles vão incorporar às letras das músicas produtos do mercados de massa, como a Coca-Cola e a margarina", completa.
O jornalista Luiz Carlos Maciel aponta a liberdade melódica e rítmica como principal contribuição do grupo. "Essa postura antropofágica de recolher diferentes aspectos, deglutir e criar novos formatos foi a grande contribuição dos tropicalistas para a desenvolvimento da Música Popular Brasileira", acentua. Santuza acredita que, 40 anos depois, a Tropicália ainda influencia muitos artistas contemporâneos. "Quando eu vejo manifestações como o Mangue Beat e a Nação Zumbi, percebo como o movimento ainda está vivo", diz a professora.
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Tom Zé: ‘Não me considero um tropicalista’
Qual é a maior contribuição da Tropicália?
A rapidez com que o Brasil se adaptou ao mundo moderno foi por causa do Tropicalismo de Caetano e Gil, da capacidade deles de intuir a compressão fisionômica da sociedade imediatamente antes da sociedade se compreender. Então, eles foram capazes de configurar este entendimento em canção, na maneira de se proceder e de se vestir.
Em que medida a Tropicália fazia um protesto à ditadura militar?
A Tropicália nunca foi um movimento político. Os tropi-calistas eram alienados. Isto porque nós pensávamos com a cabeça com que os jovens pensam agora.
Caetano Veloso declarou que votou em Lula e Gilberto Gil é ministro do governo petista. Por outro lado, você afirmou que já votou em Fernando Henrique Cardoso. Havia divergências políticas dentro dos participantes do movimento?
Nós estávamos no âmago da Tropicália e não existia espaço e nem tempo para discrepância. Além disso, a nação toda estava contra nós, tanto a direita quando a esquerda do país.
Você ainda se sente um tropicalista?
Eu nunca fui um tropicalista. Só entrei na arte em razão de minhas deficiências. Assim, eu não tinha a genialidade dos participantes do Tropicalismo. Como sou um péssimo compositor, um péssimo cantor e um péssimo instrumentista, só pude trabalhar com eles porque fazia o que os americanos chamam de singular.
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Gilberto Gil
Edição 189