Magro e de baixa estatura, R.N.T. vende balas para os carros que passam pela Rua Leopoldo Bulhões, em Bonsucesso. E para ele, não tem tempo ruim. A chuva, que caiu forte no fim da tarde de sexta-feira, 19 de outubro, não o impediu de continuar o trabalho. Para se proteger, o menino fez um saco plástico de blusa e continuou entre os veículos. Segundo comerciantes do local, que preferiram não se identificar, o irmão mais velho de R.N.T, com quem ele mora, o obriga a trabalhar para pagar o aluguel e as despesas.
Na ânsia de conseguir determinada quantia, o menino nem quis prolongar a conversa. "Tia, hoje é aniversário da minha mãe e preciso arrumar mais dinheiro para comprar um bolo. Se eu ficar parado, vou perder tempo", desculpou-se, pedindo, é claro, para eu colaborar.
A história de R.N.T. é um dos típicos casos de crianças que precisam ou são obrigadas a trabalhar para ajudar em casa. De acordo com a assistente social Lucyana Vergara, este motivo tem se tornado menor entre as crianças que atuam nas ruas da cidade. Nas pesquisas feitas para escrever O trabalho infantil na área urbana do Rio de Janeiro: um estudo sobre suas causas e especificidades, dissertação de mestrado defendida no final de agosto na PUC, ela descobriu que um dos motivos que levam crianças a entrar no mercado de trabalho é o apelo comercial.
– A maioria das crianças que pesquisei não trabalhava para ajudar a mãe a comprar comida, mas, sim, para comprar tênis, bermuda, DVD e PlayStation. Em alguns casos, os irmãos até se unem para parcelar o valor dos produtos, revela Lucyana.
A pesquisa mostra também que as mães declaram ficar preocupadas, mas, como não têm condições de comprar o que o filho pede, acabam permitindo as atividades na rua. "Existe também a questão cultural de que a criança pobre que trabalha tem menos chance de virar bandido ou marginal", destaca a assistente social. F.L.P., que atua num sinal de trânsito em Jacarepaguá, concorda com a tese. "É melhor trabalhar do que ficar na rua fazendo besteira. Assim, ninguém fica me chamando para roubar", justifica o menino.
J.N.S divide os clientes com outros amigos. Quando o sinal fecha, uns correm para limpar os carros enquanto outros se exibem fazendo malabarismos com laranjas murchas. Segundo eles, dá para faturar entre R$ 20 e R$ 30 por dia. E como Lucyana detectou nas pesquisas, a maioria dos meninos conta que até ajudam em casa, mas grande parte do dinheiro é usado para comprar roupas e ir para a Lan House nas horas vagas.
Quem pensa que o trabalho é fácil está enganado. Com pés descalços e sem camisa, embaixo de um sol de 37°, eles contam que ficam no sinal das 10h às 21h. E durante o dia, enfrentam diversos tipos de humilhações e violência.
– Outro dia, o motorista de um Corolla deu um tapa na cara de um menino aqui, conta J.N.S. F.L.P acrescenta: "Eu já levei dois chutes e fui atropelado. Tem gente que joga o carro em cima da gente de propósito", reclama.
Para a psicóloga Maria Inês Bittencourt, coordenadora do Serviço de Psicologia Aplicada da PUC, essas violências causam os piores impactos no psicológico dos menores. Ela afirma que a criança agredida vai carregar as marcas da humilhação para o resto da vida, podendo ter a personalidade desenvolvida para o lado negativo. "A criança que sofreu violências tem grandes chances de devolver para o mundo a agressão recebida", explica Maria Inês.
Lucyana, que também trabalha na Secretaria Municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro, diz que a prefeitura tenta tirar as crianças das ruas e conscientizar as famílias sobre os riscos. O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PET) oferece R$ 40 mensais para que o menor abandone a ocupação e passe a participar das atividades oferecidas pela prefeitura.
A assistente social reconhece que o programa precisa sofrer reajustes para se tornar mais atraente. Ela diz que a carga horária é reduzida e o lanche não tem boa qualidade. Além disso, segundo Lucyana, depois que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva unificou o PET ao Bolsa Família, algumas crianças deixaram de freqüentar as atividades, pois já têm o dinheiro garantido pela bolsa. Pela deficiência na fiscalização, elas acabam voltando às ruas.
– Tivemos uma evasão muito grande. Esta unificação está deixando a desejar no combate ao trabalho infantil, pelo menos é o que vejo através da minha atuação aqui na Zona Sul, critica a assistente social.
Como o trabalho toma o tempo que as crianças utilizariam para estudar, descansar ou brincar, o rendimento na escola acaba sendo comprometido. "Elas diziam ficar cansadas, com sono e que não têm tempo de fazer o trabalho de casa. Mas não percebem o quanto isto atrapalha", relata Lucyana.
Para minimizar os prejuízos ocasionados pelo trabalho infantil, o engenheiro José Maria Morais, de 55 anos, decidiu dar aulas para um casal de crianças que vende doces nas proximidades da Casa de Saúde São José, no Humaitá. Ele se propôs a ajudar com as dúvidas escolares. Para não prejudicar as crianças, que vêm de Duque de Caxias, o engenheiro pagava pelo tempo que eles deixavam de ganhar dinheiro com as vendas.
– Quero fazer algo para tentar diminuir a pobreza. Minha meta agora é ajudar o menino a passar para uma Escola Técnica. Ele é esperto e vai conseguir. Assim, poderá influenciar seu entorno e os amiguinhos dele terão uma perspectiva de vida diferente, acentua Morais.
Edição 194