Muito além do sushi: discriminação social na imigração japonesa
15/04/2008 17:50
Juliana Royo / Arte: Diogo Maduell

No centenário da imigração japonesa, a reportagem discute pontos pouco abordados quanto à chegada das primeiras famílias ao Brasil. Mostra ainda como era o financiamento que o governo japonês dava aos imigrantes e o forte preconceito racial que eles enfrentaram.

Em 18 de julho de 1908, atraca no Porto de Santos o navio Kasato Maru trazendo as primeiras 165 famílias japonesas ao Brasil. Para comemorar esse centenário, uma série de homenagens e projetos estão sendo programados para a comunidade que já chega a 1,5 milhão de pessoas. Mas, na chegada, esses imigrantes passaram por sérias discriminações raciais.

 

O navio Kasato Maru, só entrou em Santos graças a um tratado firmado entre os dois governos, treze anos antes, em 1895. Naquela época, o Brasil passava por um período de escassez de mão-de-obra rural, principalmente em São Paulo. Com o fim da escravidão, e com as barreiras que os governos europeus começavam a impor sobre a vinda de trabalhadores, buscava-se alternativas para a lavoura. Mas, segundo a professora de história, Laiana Lanes, da PUC - Rio, não foi fácil para os primeiros imigrantes a convivência em meio aos brasileiros.

 

– O início do século XX era uma época de correntes de pensamentos racistas. O governo brasileiro precisava de trabalhadores rurais, mas dava preferência aos europeus, com a justificativa de “enobrecer” a população. Os asiáticos eram completamente discriminados, porque faziam parte de uma chamada classe inferior, lembra Laiana.

 

O racismo permaneceu até o final da década de 60, quando o Japão passou a se colocar como potência mundial. Foi no mandato do presidente Getúlio Vargas que a discriminação viveu seu auge, como consta em um decreto lei aprovado em 1945: “Decreto-Lei 7.967/45, art. 2º: Atender-se-á, na admissão de imigrantes, à necessidade de preservar e desenvolver, na composição étnica da população, as características mais convenientes da sua ascendência européia”. Antes disso, em 1934, o Congresso Nacional já havia criado a Lei de Cotas, que limitava a entrada de imigrantes em 2% em relação aos últimos 50 anos. Mas segundo o pesquisador e professor de história, Sydenham Lourenço, da PUC – Rio, o governo brasileiro cedeu sob pressões.

 

– No final da segunda guerra, quando o mundo soube do Holocausto, as teorias racistas perderam respeitabilidade. A ONU, e a Unesco, passaram a defender políticas anti-racistas.  Até os intelectuais brasileiros que defendiam a restrição à imigração japonesa, nos anos 50, faziam questão de negar o preconceito, explica.

 

Um fator secundário, mas que também contribuiu para a discriminação nipônica, foi a questão cultural. Os japoneses têm tradições muito diferentes das brasileiras, o que causou muito estranhamento por parte da população rural.

 

– O sistema de imigração japonesa era muito organizado.  Eles não se misturavam como os italianos e espanhóis. Saíam direto dos navios para as colônias, onde fizeram escolas para que seus filhos, mesmo nascidos no Brasil, pudessem aprender a língua e a cultura japonesa como se estivessem no Japão. Isso dificultou muito as relações com o povo da região, comenta Sydenham.

 

Mesmo assim a comunidade japonesa se desenvolveu e hoje os nipo-brasileiros já são a segunda maior comunidade de japoneses fora do Japão, perdendo apenas para os Estados Unidos. O financiamento do governo japonês é um fator fundamental para se entender como, apesar de todas as barreiras, a imigração nipônica deu certo.

 

Os imigrantes vinham para as lavouras brasileiras não só com passagem e estadia paga. A intenção dos japoneses era que os imigrantes produzissem matéria prima suficiente para ser exportada para o Japão. Não era simplesmente um financiamento, era um investimento.

 

Hoje a cultura japonesa proliferou e exerce enorme influência na sociedade brasileira. Sashis e sashimis são devorados em qualquer canto do Sudeste e as artes marciais conquistaram os adeptos de esportes. “O aspecto pragmático venceu o preconceito. Era preciso mão-de-obra rural e incentivos econômicos e os japoneses tinham isso a oferecer”, ressalta Sydenham.

 

 

Edição 197

 

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