1968 - Um ano inesquecível
15/04/2008 17:57
Juliana Royo

De um lado, uma ditadura militar, do outro, jovens estudantes que queriam ser ouvidos e decidiram gritar. Naquele ano, o mundo fervia. No Brasil, a Passeata dos Cem Mil reuniu manifestantes que saíram às ruas na luta por um mundo mais livre e igual. Quarenta anos depois, Augusto Sampaio, Álvaro Caldas, Jean Pierre Von der Weid, Maria Augusta Davidovich, Frederico Palmeira, Hélio Ferraz e Weiler Finamore, que viveram aquela época, contam ao JORNAL DA PUC como foi 68. Com diferentes visões, é possível voltar no tempo e reviver um momento tão importante da nossa história.

O que aconteceu no Rio de Janeiro em 1968, o ano mais importante da história moderna? O que os jovens pensavam a respeito das transformações políticas na época? Naquele ano, o mundo inteiro viveu mudanças de comportamento e, no Brasil, as vozes clamavam por liberdade. O país já vivia uma ditadura militar, mas 68 representou um marco. A morte do estudante Édson Luis, em 22 de março, a Passeata dos Cem Mil, em 26 de junho e o decreto do Ato Institucional n° 5, em 13 de dezembro, foram alguns episódios que marcaram o ano. O AI-5 estabeleceu a censura prévia e impediu qualquer manifestação de natureza política, causando um choque na população.

Os estudantes que viveram aquele ano não esquecem os sentimentos, as lutas e os desejos de uma geração que queria o direito de expressar suas opiniões e viver em uma sociedade mais igualitária. Na tentativa de entender as emoções da época, o JORNAL DA PUC foi atrás de pessoas que vivenciaram 68. Escutamos histórias variadas de pessoas que viveram o mesmo período, mas sonharam a vida diferente. Sete desses personagens voltaram no tempo e contam um pouco de suas histórias.

 

Augusto Sampaio, Vice-Reitor Comunitário

“Eu acho bonito o papel que a PUC teve naquele período. Havia uma grande preocupação com a família dos presos e um suporte aos alunos. Eu, na época professor de economia, ia junto com o Vice-Reitor Comunitário, padre Mendonça, ao DOI-CODI, pressionar os militares. Mas era preciso ter muito cuidado. Primeiro, íamos à quinta sessão, das relações públicas e nos identificávamos direitinho. Aí nos encaminhavam para a segunda sessão, no setor de Informação do exército. Houve uma série de professores cassados em outras instituições e a PUC abriu a porta para essas pessoas. A gente queria protegê-los, mas às vezes não dava tempo. No início da ditadura era alienação pura. Mas o ano de 68 é um marco porque promove uma mudança radical. Viu-se que estava tudo errado. Você não pode imaginar como é ser tolhido da sua liberdade, ter medo de falar o que pensa. Em qualquer momento, você podia ser mal interpretado por alguém. Era tudo muito absurdo.”

 

Helio Ferraz, executivo da engenharia naval

“Em 68 eu era vice-presidente do DCE da PUC-Rio. A esquerda havia ganho em todos os diretórios. Aquele ano representou um marco para todos nós. Após o AI-5, os diretórios foram cassados e ficou impraticável fazer alguma manifestação, a não ser que você entrasse para a guerrilha. E isso sempre foi impensável para mim. Eu era contra a ditadura, mas nunca fui socialista. Sou um anarco-livre-empreendor, até hoje.”

 

Álvaro Caldas, professor de jornalismo

“Em 68 eu já era jornalista e participava da UNE e do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário. Eu não tinha muita noção do que construía. Achava que estava cumprindo a parte que me cabia fazer. A idéia do socialismo era muito forte e tínhamos essa vontade de mudar o mundo, de derrubar a ditadura e tomar o poder. Recebemos o AI-5 com muito medo porque vimos que estávamos cerceados a toda liberdade de circulação. Você era preso sem ninguém ter que dar satisfação nenhuma. Depois do AI-5, o caminho era a luta armada mesmo, porque não restou possibilidade de nenhuma manifestação legal. Botamos nossa vida em jogo. Fui preso e torturado pela ditadura. Saí dois anos e meio depois. Nossa luta pela resistência deixou na história o nosso idealismo, a nossa generosidade, nosso impulso de não aceitar que nos tirassem todos os nossos direitos sem que reagíssemos. Esse foi o fruto que deixamos para a construção da democracia que veio paulatinamente se construindo depois.”

 

Carlos Frederico Palmeira, Diretor do Departamento de Matemática

“Havia muita movimentação na PUC e os diretórios eram bastante ativos, mas o ano letivo seguiu normalmente. As assembléias, por medida de segurança, eram feitas em lugares estratégicos para podermos fugir no caso de a polícia chegar. Eu saía daqui para ir às passeatas e evitávamos sair em grupos para não chamar a atenção. Nunca cheguei a um confronto direto com a polícia, mas conheci muitas pessoas que foram torturadas, inclusive um caso que chocou muito a Universidade toda, até a Reitoria, de uma presidente do DCE, Mônica Tolipan. Ela foi presa e muito torturada.”

 

Maria Augusta Davidovich, professora de física

“Na PUC-Rio passei os melhores momentos da minha vida. Participei ativamente do diretório dos estudantes. Queríamos lutar contra a ditadura, resolver nossas questões internas. Éramos contra tudo dos Estados Unidos, e em uma reunião do Conselho Universitário para apoiar uma reforma educacional baseada no modelo americano, invadimos o Conselho. Fomos punidos com 40 dias de suspensão, mas os professores deixaram a gente continuar assistindo às aulas. O que eu acho muito bacana é que nós tínhamos o respeito da Reitoria. Éramos bons alunos e eles sabiam disso, não nos viam como um grupo de baderneiros. Só que a Universidade não é só livros. Eu morava em um pensionato e passava o meu dia inteiro aqui na PUC-Rio. Ficava na Vila dos Diretórios discutindo questões políticas, fazendo cartazes. Eram momentos muito ricos.”

 

Jean Pierre Von der Weid, professor do CETUC

“Eu era contra a ditadura, mas não participava de nenhuma organização. Fui preso por estar em uma assembléia na Reitoria da UFRJ. A polícia invadiu o local e eu fui levado para o Dops e depois para o quartel do Exército. Não fomos torturados, mas fiquei deitado em uma Kombi com uma metralhadora apontada para minha cabeça. Só me mantiveram preso por eu ser irmão do ‘maior subversivo do Brasil’ e isso foi dito por eles. Meu irmão, Jean Marc Von der Weid, que era presidente da UNE, foi preso dois dias antes de mim. Minha mãe sofreu muito naquela época. Abriram uma cassação branca contra mim e minha vida profissional foi muito atrapalhada.”

 

Weiler Finamore, professor do CETUC

“O AI-5 foi recebido com indignação e tristeza, mas eu não me lembro muito disso. No meu caso, senti um pouco de conformismo. O que eu poderia fazer? Meu plano não era a política, então fui tocar minha vida. Eu acho que, para um garoto na minha idade, a maior preocupação era com a carreira. Mas fui à Passeata dos 100 Mil e à missa do Édson Luís. Nessas manifestações não tinha como não ir, porque, apesar de distante, eu não concordava com a ditadura.”


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Ediçao 197

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