Prestes a completar dezoito anos de existência, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ainda não é disciplina obrigatória nas graduações de Direito do Brasil. A maioria dos juízes que chega à Vara da Infância e da Juventude não está preparada para lidar com menores de idade. “Normalmente matérias ligadas ao ECA são oferecidas como disciplina eletiva. Acho que deveria ser obrigatório, mas faltam professores especializados”, diz João Ricardo Dornelles, professor do departamento de Direito da PUC-Rio.
O filme Juízo, da diretora Maria Augusta Ramos, que teve sua pré-estréia para alunos da PUC-Rio, no Vivo Gávea, dia 13 de março, procurou mostrar ao público o que ocorre em julgamentos de jovens infratores. A juíza Luciana Fiala, que julga a maioria dos casos do filme, tem uma atitude que, de acordo com especialistas, demonstra a falta de preparo dos magistrados em relação ao tratamento dado a esses adolescentes. “Em geral, os juízes são despreparados em relação a direitos da criança e do adolescente. Acho errada a postura da juíza Fiala. O tom moralista que ela usa não contribui em nada para o processo educacional”, critica Dornelles.
Para Kátia Ciotola, também professora do Departamento de Direito da PUC, a não obrigatoriedade do estudo pode ser suprida. “O problema desses juízes é o despreparo emocional”, avalia Kátia. O que muitas vezes ocorre é que o juiz que cai na Vara da Infância e do Adolescente não tem o perfil adequado para atuar nessa área, e o ato de julgar acaba se tornando mecânico. “Para um juiz que julga de dez a vinte processos por dia, lidar com isso é muito difícil, eles perdem a sensibilidade”, assinala Tânia da Silva Pereira, professora aposentada do Departamento de Direito da PUC-Rio.
A maior necessidade do jovem que passa por esses julgamentos é entender o que está acontecendo. O discurso autoritário da juíza não tem eficácia para o adolescente porque não o faz pensar nas conseqüências do seu ato. A medida sócioeducativa é vista apenas como punição, por isso não tem efeito. É o que acredita Maria Helena Zamora, professora do Departamento de Psicologia da PUC-Rio. “O adolescente precisa se comprometer com a medida que lhe será aplicada. Às vezes, o diálogo com o jovem faz com que ele proponha sua própria punição”, destaca a psicóloga.
Em locais de internação como o Instituto Padre Severino, princípios básicos assegurados pelo artigo 94 do Estatuto, como reavaliar periodicamente cada caso e informar ao adolescente internado sobre sua situação processual, não são cumpridos. “Eu perguntei ao Dr. Guaraci (Campos Viana, juiz que participa de um julgamento no filme) como ele fazia a reavaliação da medida. Ele disse que como não tem condições de fazer, quem faz é sua equipe técnica”, conta Tânia, que é especialista no ECA. No entanto, o importante nessa situação é o contato do interno com o juiz, pois é ele quem garante ao adolescente uma medida justa, já que, como não existe tempo mínimo de internação, o período é modificado de acordo com o comportamento do jovem.
Mas a psicóloga Maria Helena acredita que há condições de o sistema sócioeducativo melhorar. “Nesse momento é preciso pensar rapidamente em uma saída”, desabafa a psicóloga. Uma solução que vem sendo amplamente discutida é a redução da maioridade penal, que não é unanimidade entre estudiosos no assunto.
- Eu sou contra a redução. Daqui a pouco vão querer reduzir para 14 anos. E isso vai acabar atingindo somente as classes mais pobres. Essa medida vem apenas como finalidade punitiva, não vai resolver a situação de violência existente que possui raízes muito mais profundas, acentua o professor Dornelles.
No Brasil, nem o poder público nem a sociedade deram a atenção devida a esses jovens. O convívio constante com a violência faz com que eles a vejam como algo incorporado ao seu cotidiano. Para Maria Helena, há uma diferença clara nas punições dadas a pobres e ricos. “Os jovens ricos que cometem crimes recebem tratamento, os pobres vão para instituições. Não podemos concordar com isso, não pode haver privilégios”, comenta a psicóloga. O professor Dornelles ressalta que essa distinção acontece no mundo inteiro, e não somente com jovens infratores, mas com transgressores da lei em geral. “O sistema penal, tanto no Brasil quanto no mundo, é seletivo. É só você entrar em um presídio e ver quem são as pessoas que estão ali”, afirma.
O filme Juízo toca em uma questão muito delicada, e a diretora aposta na reflexão das pessoas. “Meu papel não é dar opinião. Eu retrato uma realidade e espero que o público chegue às suas próprias conclusões”, diz Maria Augusta.