No tempo em que a novela Malhação era na academia, o cabelo armado era moda, o Tamagoshi fazia a cabeça das crianças, Lula ainda era oposição e É o Amor, de Zezé de Camargo e Luciano, embalava os romances. Assim foram os anos 90, que mal passaram e todo mundo já começou a sentir saudade. Inspirado nessa nostalgia e nos livros de 80 e 70, o jornalista e ex-aluno da PUC Silvio Essinger lançou o Almanaque Anos 90, pela Editora Ediouro, que reúne curiosidades e lembranças do período.
Primeira década totalmente democrática, depois de vinte anos de Ditadura Militar, os anos 90 derrubaram principalmente o autoritarismo estético. Na música, o cenário foi democrático. Todos tiveram vez: axé music, pagode romântico, sertanejo, lambada, boy bands, grunge, funk melody e até figuras inusitadas como Tiririca e Mamonas Assassinas.
– Deixou-se de marginalizar certos estilos, todos tiveram o mesmo destaque. O Nirvana é símbolo disso, trouxe o subterrâneo dos anos 80 e colocou para o primeiro plano. Ao mesmo tempo, surgiam tipos diversos de tribos com que o jovem poderia se identificar. Nos anos 70 você podia ser hippie, militante de esquerda ou careta. Nos 90, abriu-se essa cartela de grupos urbanos, conta Essinger.
A cantora Fernanda Abreu, carioca sangue bom e destaque da geração pela junção de samba e funk, conta que nessa época surgiram as misturas mais criativas.
– Foi uma década privilegiada em termos de novos talentos musicais, revelando artistas incríveis. A fusão da linguagem pop internacional com os ritmos brasileiros deu o tom. Marcelo D2 misturou samba com hip-hop, Carlinhos Brown mesclou MPB, samba e reggae, já Chico Science e Nação Zumbi juntaram rock e música eletrônica com ritmos regionais, como maracatu e coco-de-roda, diz Fernanda.
O acesso à informação trouxe a possibilidade de se recombinar o que já existia. “Com a tecnologia, passou-se a ter acesso a obras do passado, podendo ver, rever e misturar referências. A melhor coisa do período foi a reciclagem de outras décadas. Teve de tudo, mas nada de novo”, afirma Essinger. Mas há os que vêm desvantagens na tecnologia. Lucas Issa, dono da comunidade Brinquedos Anos 80 e 90, do site de relacionamentos Orkut, prefere os desenhos de antigamente, como Caverna do Dragão e He-Man. “Os de hoje têm muita produtividade visual e pouco conteúdo. Os dos anos 90 eram mais simples, porém mais gostosos de assistir”.
Na era da tecnologia, as ideologias são deixadas de lado, já que, com a queda do Muro de Berlim, caíram por terra os conceitos de esquerda e direita, que marcavam as identidades dos jovens, de 16 a 24 anos, até então. “Houve um certo desencanto com a política. Os partidos se fecham para novas idéias e o que passa a ser mais importante é a imagem do candidato, definida pelo marketeiro, desde a cor da gravata ao abraço em um popular”, afirma o diretor do Departamento de Sociologia e Política da PUC-Rio, professor Ricardo Ismael.
O jovem de qualquer época se motiva a se envolver nas questões públicas pela possibilidade de transformação. Na última década do século XX, a juventude percebeu que, ao não influenciar nas decisões dos partidos, a saída era se engajar em movimentos culturais e sociais, como o Greenpeace.
– Nos anos 80, achava-se que com a vitória de um presidente eleito pelo povo tudo iria mudar, mas com a vitória de Fernando Collor de Mello, veio a frustração. A campanha de impeachment, em 1992, trouxe jovens para a cena política, mas a partir dali não houve grande participação política, diz Ismael.
O individualismo torna-se uma característica da sociedade, marcada pela realização dos interesses particulares, em detrimento da causa pública. Para Ismael, a ex-senadora Heloisa Helena é um ícone da política dos anos 90, porque não se conformou com a conquista do poder e se arriscou a fundar um partido novo.
– Ainda existem jovens hoje que se movem pela tentativa de um ideal que ultrapassa o mero interesse privado e individual. Recentemente, Barack Obama atraiu um grande eleitorado de jovens para a política norte-americana, acentua Ismael.
O cientista político acredita que é preciso haver um certo distanciamento para analisar um momento da História, uma vez que há mais envolvimento emocional com os fatos recentes. “Tendo ocorrido há mais tempo, existem mais documentos e uma melhor compreensão dos acontecimentos”, assinala Ismael.
Acontecimentos da década:
•Morre o cantor Cazuza
•Libertação de Nelson Mandela depois de 27 anos na prisão
•A MTV chega ao Brasil
•Fernando Collor de Mello assume a Presidência da República
•Criado do Sistema Único de Saúde (SUS)
•Lançamento do video game Super Nintendo
•Criado no Brasil o Estatuto da Criança e do Adolescente
•Guerra do Golfo
•Fim da União Soviética (URSS)
•Estréia no Brasil o seriado Família Dinossauro
•Massacre no Carandiru
•Organização Mundial da Saúde (OMS) deixa de considerar a homossexualidade como doença.
•Plebiscito decide que o Brasil continuará a ser uma República Presidencialista
•Brasil ganha a Copa do Mundo
•Nelson Mandela torna-se o 1º presidente negro da África do Sul.
•Estréia a novela A Viagem, maior audiência da década
•Início do Plano Real
•Morrem os integrantes dos Mamonas Assassinas, Paulo César Farias e de Renato Russo
•Nasce o primeiro animal clonado, a ovelha Dolly
•O Quatrilho, de Fábio Barreto, é indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro.
•Publicado o primeiro livro da série Harry Potter.
•Lançado o álbum mais vendido da década de 90, Let’s Talk About Love, de Celine Dion
•Morrem a princesa Diana, Madre Teresa de Calcutá e Chico Science
•Escândalo entre o presidente Bill Clinton e a estagiária Mônica Lewinsky
•Morrem Tim Maia, e Leandro, da dupla Leandro e Leonardo
•Viagra é aprovado nos EUA
•Nasce o Google
•Guerra do Kosovo
•Indepedência do Timor Leste
•Central do Brasil, de Walter Salles, concorre ao Oscar de melhor filme estrangeiro
Edição 199