Ao compor os versos de Chega de Saudade, Tom Jobim e Vinícius de Moraes nem imaginavam que 50 anos depois, novos artistas ainda recriariam o novo ritmo que eles inventavam despretensiosamente em 1958, a bossa nova. Atualmente, as novas criações são chamadas de new bossa e apresentam os clássicos aos jovens que não conhecem o gênero.
A proposta dos criadores da bossa nova era fazer um ritmo que combinasse com o estilo de vida dos jovens da Zona Sul carioca, pois os mais populares na época eram muito melancólicos. Em reuniões – as mais comentadas no apartamento de Nara Leão - os músicos Tom, Vinícius e João Gilberto e novatos como Roberto Menescal, Carlos Lyra e Ronaldo Bôscoli, misturando samba com jazz, inventaram o modo de tocar intimista, de batida suave e vocal sussurrado.
Tudo no novo estilo era suave, doce e elegante. A maneira de cantar baixinho, integrando voz e violão, poucos instrumentos no palco e o modo de se apresentar em público davam o tom minimalista. Era como se os músicos dessem o show na sala de sua casa. “A nossa intenção era criar uma música para a nossa geração. O que havia antes eram músicas que tocavam há vinte anos e não combinavam mais com a gente”, afirma o músico Roberto Menescal.
O governo de Juscelino Kubitschek, de ideologia desenvolvimentista, e a construção de Brasília, uma cidade de linhas simples e modernas, trouxeram para o Brasil uma idéia de inovação. Esse conceito vai combinar exatamente com a proposta dos músicos de fazer uma música mais moderna e menos exagerada. “Eu acho que a sensibilidade da bossa nova converge muito com a da arquitetura de Brasília. É a estética do menos”, compara Santuza Naves, professora do Departamento de Sociologia.
A bossa nova era muito restrita à elite, porém, Nara Leão começa a achar que ela deveria se popularizar e grava algumas músicas de protesto, até que, em 1965, escandaliza o público com o show Opinião, ao lado de Zé Kéti e João do Vale. “Vai ser emblemático uma menina da Zona Sul ao lado de dois negros. Aquele era um momento de revalorização do samba, e ela vai levar isso às últimas conseqüências”, destaca Santuza.
Além dela, Carlos Lyra, que assume a direção musical do Centro Popular de Cultura, ligado à União Nacional dos Estudantes (UNE), começa a fazer letras politizadas com bases de bossa nova. “Isso foi muito importante na época da ditadura, porque a música era um dos poucos meios que a gente tinha de driblar a censura e fazer chegar ao público o que a gente pensava”, acentua Menescal.
A música cheia de notas dissonantes se tornou mais conhecida quando Frank Sinatra gravou um disco de bossa nova em parceria com Tom Jobim na década de 60. Outra parceria internacional foi o álbum Getz/Gilberto, de João Gilberto e Stan Getz. O gênero já fazia sucesso no exterior desde 1962, quando músicos brasileiros fizeram um show no Carnegie Hall, em Nova York, para uma platéia cheia de nomes consagrados do jazz. “Para mim foi um susto, eles eram ídolos de que a gente nem imaginava chegar perto. E de repente a gente estava ali tocando com eles e para eles”, lembra o músico.
New Bossa
Até hoje, artistas gravam e reinventam a bossa nova de diferentes maneiras. Nana Caymmi e Milton Nascimento gravaram recentemente CD’s dedicados ao estilo com regravações de Tom Jobim. Fernanda Takai gravou um disco somente com músicas de Nara Leão com uma roupagem mais pop. O grupo francês Nouvelle Vague cria músicas atuais inspiradas no ritmo.
No cenário internacional, artistas como Bebel Gilberto, Celso Fonseca e Sérgio Mendes fazem muito sucesso. “Eu acho que, hoje, a bossa nova não é mais só do Brasil, é uma coisa do mundo”, comenta Menescal.
Marcio Menescal, filho de Roberto, é um dos integrantes do trio BossaCucaNova, que remixa músicas tradicionais com uma batida eletrônica. Ele conta que, no início do projeto, tiveram a preocupação de mostrar aos artistas mais antigos a nova forma como estavam tratando a música, e agradaram. Começaram a fazer sucesso também com o público mais jovem, que gostava de música eletrônica e passou a se interessar pela tradicional.
- Independentemente do estilo no qual é tocada, a bossa nova é uma música muito bonita, muito bem feita. É como uma mulher bonita: não importa a roupa que use, fica bem. O legal do nosso trabalho é o contraste, é misturar os públicos, afirma Marcio.
A bossa nova é um ritmo atemporal, e esses novos artistas que regravam, estilizam ou se inspiram no gênero ajudam a divulgar o estilo atualmente. “Tudo que é arte se transforma, faz parte do processo. E assim, é possível ver o quanto a bossa nova é poderosa, porque volta e meia um novo artista dialoga com ela”, afirma Santuza.
Edição 199