Eleitor analfabeto, não ignorante
15/05/2008 14:25
Gabriela Pacheco

O direito ao voto do analfabeto nem sempre esteve garantido no Brasil. Desde que o país se tornou república, o poder de decidir quais seriam as autoridades públicas só foi legitimado para os analfabetos a partir da Constituição de 1988. E nesses últimos 20 anos, muita polêmica ainda cerca esse direito.

Darcy e Jurema, alunos da alfabetização,votam toda eleição.
Darcy tem esperança, mas Jurema está desiludida

 

A Proclamação da República no Brasil, em 1889, não significou ampliação de direitos para todos. Por quase cem anos, os analfabetos não tiveram direito de escolher autoridades públicas, mas foram obrigados a seguir as leis criadas por elas. Em 1985, ano de eleições para prefeitos, a emenda constitucional 25, de 15 de maio, permite, pela primeira vez no governo republicano brasileiro, o direito ao voto para os analfabetos. Na Constituição de 1988, garante-se o voto do analfabeto, que passa a ser facultativo, mas também se proíbe que o indivíduo que não sabe ler e escrever seja eleito. Vinte anos se passaram, e 14,58% da população brasileira de 25 anos ou mais não têm nenhum grau de instrução, segundo Censo Demográfico de Educação do IBGE, em 2000. Os analfabetos enfrentam um outro tipo de luta: o preconceito social dos que os consideram uma massa facilmente manipulável.

 

Aos que avaliam o voto dos não-letrados como uma medida paliativa e não como um verdadeiro caminho para a justiça social, o diretor do Departamento de Direito da PUC-Rio, Adriano Pilatti, defende que este direito não é demagogia ou doação de alguém, e sim resultado de uma luta.   Pilatti também argumenta que quanto maior for o número daqueles que fazem parte da sociedade a opinar, tanto mais justas serão as decisões.  

 

– Não devemos jamais confundir educação formal com capacidade intelectual, pois esta não garante por si só que se forme um senso crítico político. Quantos mestres e doutores não se arrependeram? Afinal, não foram apenas os analfabetos que elegeram o Collor, diz Pilatti.  

 

A comparação entre o saber obtido na escola e o da vivência é o obstáculo que cria o dilema social que questiona a capacidade de votar dos que não têm instrução. A coordenadora pedagógica de alfabetização do Núcleo de Alfabetização de Adultos da PUC-Rio (NEAd), Maria Luíza Tavares Benício, explica que esses jovens e adultos não lêem letras, mas são capazes de entender a realidade. E que, embora seja importante o conhecimento acadêmico, não se pode considerá-lo como detentor de toda forma de sabedoria.

 

– Existem vários tipos de saber, que podem ser obtidos conversando, olhando, interagindo. Esses saberes são legítimos, embora não sejam reconhecidos pela sociedade.  A democracia brasileira ganha com o voto dos analfabetos. Acabar ou reduzir o analfabetismo não significa resolver os problemas da sociedade, diz Maria Luíza.

 

Darcy Botelho, que estuda há um ano no NEAd, vota em todas as eleições, e afirma que ainda acredita no poder do voto para mudar o país. “Ao votar é que a gente vai saber como conduzir o Brasil, e para isso, estudar é muito importante”, diz. Para se informar e decidir seu voto, Darcy diz que não perde uma propaganda política e os debates na televisão, e que procura conversar com outras pessoas, pois se julga “um não sabedor de votar”.

 

– No candidato, um grau de estudo bem elevado é importante. Mas falar errado não é fazer errado.  E, pelo menos, a fala tem como corrigir, diz o alfabetizando. 

 

Jurema Carvalho, colega de sala de aula de Darcy, afirma que vota pela necessidade do título para o trabalho. “É importante votar, mas acaba sendo mesmo uma atitude obrigatória. Pois as promessas não são cumpridas, continua tudo a mesma coisa”, acrescenta.    

 

A alfabetizadora Socorro Calhau, que trabalha no NEAd, relaciona a polêmica do direito ao voto do analfabeto com a dificuldade que existe em lidar com a diferença. Para ela, “aprender a verdadeira inclusão é não fazer o outro sentir-se inadequado por ser diferente, é não forçá-lo a se transformar”. E assim, o exercício do voto permite a não exclusão. A partir da sua dissertação de mestrado “Eu tô virando outro”, um trabalho de Educação Popular com operários de construção civil, Socorro argumenta:

 

– Com o diálogo, eles me mostraram que o direito ao voto não significa que se estará livre para votar enquanto não existir justiça social. E que não é a escolaridade, simplesmente, que faz você votar com responsabilidade. Mais ainda, como determinar quais os valores para descobrir se o outro é capaz de votar?

 

 

Edição 199

 

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