Em junho de 1938, uma nave interplanetária posou na Terra. A bordo dela estava um alienígena de Kripton, planeta condenado à destruição. Colocado em um foguete pelo pai, o bebê extraterrestre Kal-El cresceu no interior dos EUA, até descobrir que tinha poderes incríveis. Salvando o mundo diariamente e, nas horas vagas, trabalhando como jornalista, o Superman encanta leitores e espectadores de cinema e TV há 70 anos.
Surgido nas revistas em quadrinhos da DC Comics, criado por Joe Shuster e Jerry Siegel, o Superman ganhou rapidamente a admiração dos fãs, as ondas do rádio, as telas da TV e do cinema. Ao todo, foram cinco filmes, com três atores interpretando o papel do herói, além das séries de TV, dos inúmeros desenhos animados e dos mais de vinte jogos de videogame.
O sucesso do primeiro super-herói a estrelar nas HQs abriu espaço para que outros fossem criados, no primeiro dos anos de ouro das revistas em quadrinhos (que durou, nos EUA, de 38 até a década de 50). O Superman chegou ao Brasil em 1947. Inicialmente, Clark era chamado de Eduardo e sua amada Louis, de Miriam, nomes alterados posteriormente. Um outro momento de grande sucesso foi na década de 80, por causa da ampla divulgação da Editora Abril.
Um reflexo da fama do Superman no Brasil é Callél Silva Caó, estudante de Informática da PUC-Rio. Seu pai o batizou com esse nome por causa do herói, com alterações para que ele pudesse ser registrado. Mas, como nem todos conhecem o nome extraterrestre do Superman, poucos o associam logo com o herói. “A maioria acha que é um nome de origem árabe”, conta Callél, que, apesar do nome incomum, gosta da homenagem:
– Acho muito legal. Eu gosto muito de ter esse nome pois, além de ser totalmente diferente, eu também sou fã do Superman. O meu nome na verdade não se escreve exatamente igual ao do Superman (Kal-El), mas gosto muito de ser chamado assim, conta Callél.
Existem milhares de admiradores do Homem de Aço no Brasil e várias comunidades no Orkut relacionadas ao herói, uma delas com mais de dezessete mil membros. O policial militar Fábio Borges, de 31 anos, é um fã de quadrinhos desde criança. Chegou a ponto de acordar de madrugada para ser o primeiro entre os amigos a comprar A morte do Superman, na década de 90. “Era um marco da história dos quadrinhos, a morte do mais antigo herói”, justifica Fábio. E completa: “É a melhor revistinha que eu já li”.
A personalidade do Superman ajuda muito na conquista dos seus fãs. “Ele não se deixa levar pela situação, pode estar furioso que não vai matar ninguém. Isso porque ele teve uma base familiar muito boa e sempre foi regrado e honesto”, conta Fábio. Além da análise dos fãs, estudiosos também se dedicaram a entender o mito do Superman, como o pensador italiano Umberto Eco. Em seu livro, Apocalípticos e Integrados, Eco fala, entre outras coisas, das aspirações que os heróis das HQs encarnam em seus fiéis.
Para a professora Maria Cristina Ribas, do Departamento de Comunicação Social, todo mundo sempre busca um herói. “A gente sempre precisa ter alguém em quem se espelhar, pelo menos, alguém que acredite que valha a pena seguir”, conta a professora. Ela diz que o Superman é um mito criado pelo sistema capitalista, um representante americano, por isso a roupa com as cores da bandeira americana.
A idéia é reforçada pela crença de que o momento histórico – próximo ao início da Segunda Guerra Mundial e época em que Adolph Hitler já difundia sua política anti-semita – e o fato de os dois autores serem judeus, podem ter auxiliado muito na criação do herói. É o que acredita Maria Cristina:
– Em termos artísticos, a gente nunca pode estabelecer com precisão a intenção do autor. A gente estuda o contexto e, através dele, dá para ver que tem relação, inclusive com esse desejo de superação dos problemas. Ele é pró-capitalismo, finanças, organização, família e propriedade. Por isso ele se adequa perfeitamente ao contexto de destruição, como alguém que vem de fora para tentar salvar e resgatar o que foi destruído, mas sem transgredir nada, explica Maria Cristina.
A professora Miriam Sutter Medeiros, do Departamento de Letras, acha que o momento da criação do herói é significativo. “Criado em 1938, num mundo em perigo, o arquétipo imaginário que evoca, justifica seu grande sucesso”, explica a professora. Ela fala também sobre a relação do herói com a sociedade tecnológica:
– Sua característica, no entanto, é o aço. Miticamente, a humanidade, desde Hesíodo, é apresentada por uma seqüência genealógica de “raças”, que correspondem a metais: a raça de ouro, a de prata, a de bronze, a dos heróis e a de ferro. Nesse sentido, Superman encarnaria uma quinta ou sexta raça: a de aço, que representa a sociedade tecnológica, mais “dura” que as antecedentes, diz Miriam.
O aço é também o símbolo da invulnerabilidade do Superman, mas, assim como Aquiles, ele possui um ponto fraco: a criptonita, que a todo momento o lembra de que ele é um mortal. “É esse o maior apelo ou sedução imaginária do herói: a sua mortalidade e, apesar dela, a sua força e persistência em enfrentar adversidades. É isto que o torna o herói de todos os tempos, um modelo espiritual”, explica Miriam.
Edição 200