poucas vantagens namudança
“O voo do contrarregra está atrasado”, “Foi um ato heroico”, “Sua ideia não foi aprovada”, “Para!”. As frases, que a princípio parecem estranhas por conterem palavras sem acento ou com uma escrita diferente, estarão nos livros didáticos até 2010, como quer o Ministério da Educação (MEC). Essas mudanças são parte da reforma ortográfica criada em dezembro de 1990 para unificar o português escrito nos países lusófonos. O protocolo do acordo, que já havia sido assinado por Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, foi ratificado pela Assembléia da República de Portugal, na sexta-feira, 16.
Apesar da aprovação, a reforma gerou muita polêmica. Um abaixo- assinado contra o acordo foi feito por 35 mil portugueses, que achavam que o país estava cedendo a interesses brasileiros. A deputada Isabel Pires de Lima, da Assembléia da República, esteve na PUC para o I Colóquio Internacional da Cátedra Padre António Vieira e falou sobre a questão ao JORNAL DA PUC. A ex-ministra da Cultura acredita que as mudanças não trarão benefícios significativos para os países.
Prós e Contras: “Eu vejo poucas vantagens e muitas desvantagens. Não sou uma entusiasta do acordo ortográfico, embora também deva dizer que não diabolizo a reforma, não acho que traga um grande mal ao mundo. Vejo algumas desvantagens mais ligadas à preservação da nossa língua enquanto patrimônio. Eu e a grande maioria dos lingüistas portugueses achamos, ainda, que o acordo é mal feito do ponto de visto técnico-científico e, sobretudo, porque não utiliza critérios uniformes, recorre a critérios que não são sempre os mesmos para propor soluções e cria uma grande permissividade que, a meu ver, é contrária à própria da natureza da ortografia. Ela é normativa. Haverá em Portugal, como no Brasil, duas maneiras, em certas circunstâncias, de grafar a mesma palavra. No entanto, tem que existir alguma permissividade entre dois espaços lusófonos diferentes, como Portugal e Brasil, por exemplo. Deve ser permitido grafar a palavra facto com C por causa da nossa pronúncia. Aqui no Brasil, vocês falam fato, não pronunciam o C por não falarem assim. Além disso, fato, sem o C, lá, é terno.”
A participação dos países africanos: “Há razões político-diplomáticas pelas quais eu não concordo com o acordo. Os países africanos de instituição portuguesa, fruto da situação de conflito interno que viviam no fim dos anos 80, não participaram realmente da construção desse tratado. Essa unificação da língua é somente entre Portugal e Brasil. Hoje, cerca de 20 anos depois de ter sido aprovado, portanto, 25 anos após sua discussão, a África portuguesa está em outras condições, em outra situação interna. Eu acho que nós, portugueses e brasileiros, deveríamos formar um novo acordo a partir da descrição lingüística do português que se fala efetivamente nesses países. Acredito que deveríamos sensibilizá-los para outra reforma ortográfica na qual eles se reconhecessem.”
Risco: “Uma desvantagem que eu acho perigosa mesmo é se o acordo ortográfico não entrar simultaneamente em prática em todo o espaço lusófono. O que pode acontecer é que dois blocos sejam criados: um constituído por Portugal e Brasil de um lado e a África Portuguesa de outro. Eu acho que corremos esse risco se não entrarmos todos ao mesmo tempo.”
Expansão do Português: “Também não acredito que o acordo traga muitas vantagens para a internacionalização da língua. Não é por razões de ortografia que ela se expande e, sim, por razões de conteúdo: pela literatura, pela arte, pela cultura e pelo conhecimento que essa língua veicula. O idioma mais internacionalizado do mundo, o inglês, tem mais de dez variantes. Existe o da Austrália, do Canadá, da África do Sul, por aí afora e isso nunca dificultou sua ampliação. Não acredito que vá haver vantagens extraordinárias na aceitação do português nos fóruns internacionais.”
Indústria literária: “O acordo ortográfico cria um mercado do livro mais amplo. Além de abranger os 180 milhões de brasileiros, ele vai envolver os outros 40 milhões constituídos pela África e Portugal. Isso é vantajoso para o Brasil porque a indústria livreira de vocês está certamente mais apta a ser competitiva nesse mercado do que a africana ou a portuguesa.”
Globalização: “A reforma não tem eficácia alguma, nesse sentido, visto que ela é ortográfica e não vai nos obrigar a falar português de maneira igual. Uma língua é um organismo vivo e move-se independentemente das normas ortográfica e das vontades políticas. O que pode nos aproximar são os meios de comunicação, que fazem com que nos ouçamos muito mais cotidianamente. Na verdade, a língua é algo que a ortografia não impede de evoluir.”
Algumas mudanças
No Brasil
• K, w e y entram no alfabeto: ele agora tem 26 letras.
• Fim do trema nas palavras
• O acento agudo desaparece em palavras com ditongo aberto. Ex: jibóia→ jiboia
• O acento circunflexo desaparece em palavras com duplo “o” e “e”. Exs: vôo→voo; lêem→ leem
• Fim do acento agudo que serve para diferenciar palavras. Exs: pára≠para; péla≠pela; pêlo≠pelo
• O hífen some quando o segundo elemento da palavra começar com “s” ou “r”. Essas consoantes devem ser dobradas. Exs: anti-semita→antissemita; contra-regra→contrarregra
Em Portugal
• Os portugueses deixarão de escrever húmido para escrever úmido.
• Somem o C e o P em palavras nas quais estas não são pronunciadas. Exs: acção→ação; baptismo→batismo
Edição 200