Adotar: uma opção de família
29/05/2008 14:00
Thais Sant'Anna/ Fotos: Felipe Correa

Um lugar que deveria ser provisório se torna permanente. Abrigos em todo o Brasil já contabilizam 80 mil crianças, mas apenas 10% estão disponíveis para adoção. Enquanto não sabem se voltam para casa ou vão para uma nova família, as crianças vão passando a infância nesses locais.

Pepe e Lourdes com os filhos: "Nós com
certeza não seríamos os mesmos sem eles", ela diz
“Oi, você é minha mãe?” foi a frase que Maria de Lourdes Gayoso escutou quando Tainá apareceu a sua porta. Lourdes tentava engravidar há anos sem sucesso, quando em 1999 ganhou de presente a menina, que chegou da Paraíba com 3 anos e 10 meses, pesando 8 quilos, o peso de um bebê de 6 meses. Um funcionário dela contou a história da patroa à família, que decidiu mandar a menina para o Rio de Janeiro.

 

Dois anos depois, ela e o marido, Pepe Gayoso, quiseram adotar mais uma criança. Ao visitar um orfanato no Rio Grande do Sul, Mateus, na época com 9 meses, chamou a atenção do casal, balançando os bracinhos. Logo depois, vieram os irmãos do menino, Iágaro, 9 anos, Rafael, 7, Maria de Lurdes, a Dinha, 3, e Adriana, 2. Ao ver os cinco juntos, Lourdes soube que tinha encontrado seus filhos. “Deus me mandou todos prontos”, ela diz.

 

Seis anos depois da adoção, as crianças falam quatro línguas, praticam esportes, já conheceram vários países ao redor do mundo, fizeram fonoaudióloga, psicopedagoga e psicóloga. E, apesar de terem passado por algumas dificuldades, hoje já se adaptaram à série recomendada para cada idade.

 

Essa história bem-sucedida ainda não é tão comum quanto deveria ser no Brasil. O abrigo, que deveria ser uma estadia temporária, se torna permanente, acolhendo, por em média quatro anos, crianças que são encaminhadas para lá via Conselho Tutelar.

 

Um das principais dificuldades em relação à adoção no Brasil é a demora em aprovar a destituição do poder familiar, a perda do direito da família sobre a criança. Segundo dados de uma pesquisa de 2004 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), apenas 10% das crianças abrigadas no Brasil estão disponíveis para adoção. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) afirma que a criança só pode ser considerada abandonada após um ano sem contato com a família. E antes de destituir o poder familiar, os juízes sempre ponderam se a criança possui algum parente conhecido e dá preferência a ele, acreditando que um dia alguém pode voltar para buscá-la.

 

- Ficar um, dois anos abrigado é um absurdo. O tempo da criança é precioso, porque quanto mais velha ela fica mais difícil é de ser adotada. E cada dia a mais em um abrigo é um dia a menos com uma família, afirma Kátia Ciotola, professora do Departamento de Direito.

 

Cada a dia a mais em um abrigo é um a menos com uma família
Quem vive diariamente em contato com casos assim sabe que, na prática, isso não acontece. No Orfanato Santa Rita de Cássia, que tem parceria com a Pastoral Anchieta, há um caso extremo de uma menina que está abrigada há dez anos e ainda tem laços com a família. E das nove meninas que estão abrigadas, nenhuma está disponível para adoção. “O abrigo é um mal necessário. A gente atende uma boa parte que precisa, mas atende outra parte que não precisaria estar aqui”, diz a diretora do orfanato, irmã Maria Mabel Melo.

 

- Os abrigos existem para acolher, em caráter emergencial, crianças que necessitam ser afastadas de sua família temporariamente, quando se detecta algum tipo de violação, explica Irene Rizzini, professora do Departamento de Serviço Social.

 

Casais que decidem adotar se inscrevem na Comarca de seu município, e preenchem uma ficha especificando o perfil da criança que desejam. Passam por entrevistas com psicólogos e assistentes sociais que avaliam se o casal tem ou não condições, tanto na perspectiva material quanto na moral, de adotar. Se forem aprovados, entram em uma fila que pode levar até um ano para conseguir uma criança.

 - O processo é muito burocrático porque é necessário. A relação que os adotantes têm com o adotado exige um acompanhamento, uma compatibilização. É muito freqüente que não haja uma adequação entre as pessoas que adotam e os adotados, comenta o juiz Firly Nascimento Filho, professor do Departamento de Direito.

 

A adoção não é um ato automático. Primeiramente, é dada ao casal a guarda provisória, que dura aproximadamente um ano. Nesse período, é feita a avaliação da compatibilidade entre os adotantes e o adotado. Se correr tudo bem, eles recebem a guarda definitiva.

 

Para agilizar o processo de escolha da criança, é muito comum que pessoas que desejam adotar se cadastrem em mais de uma comarca, viajando por vários estados do país. Se fazem exigências em relação ao perfil do adotado, procuram o estado que oferece mais crianças naquele tipo. A maioria escolhe recém-nascidos, brancos e sem deficiências.

 

- As pessoas querem uma criança que seja parecida com o seu perfil. Um casal branco quer um filho branco, um negro quer uma criança negra. Não é uma questão de preconceito. As pessoas querem alguém que tenha algum traço parecido. É como uma gestação, você também idealiza o seu filho, acredita Betysaida Seabra, assistente social do orfanato.

 

O novo Cadastro Único de Adoção, criado pelo Conselho Nacional de Justiça, promete melhorar essa demora. Sua proposta é reunir em um só lugar todos as pessoas que desejam adotar e todas as crianças que estão disponíveis para adoção.

 

- Com certeza o cadastro nacional foi uma maneira de agilizar o processo, porque ele agiliza o primeiro processo, o mais longo, que é o processo da escolha. Fica mais fácil de os dois pólos se encontrarem. O cadastro nacional diminuiu as distâncias e possibilitou que uma pessoa em qualquer parte do país encontre uma criança em outro lugar, esclarece Kátia.

 

A adoção deve ser cada vez mais estimulada, pois é uma ótima forma de se constituir uma família, mais do que por laços de sangue, por cumplicidade e carinho. “Adoção não é caridade, adoção é uma maneira de formar uma família. Os meus filhos não nasceram de mim, mas são totalmente meus”, garante Lourdes.

 

 

Edição 200

 

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