No Brasil, houve um crescimento de 3% nos casos de infecção por HIV/Aids, um dado que vai na contramão do resto do mundo, que registra uma queda de 11%, segundo o último relatório do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids). De 2005 a 2016, ano da última verificação, os casos de novas infecções subiram de 46 mil para 48 mil. A porcentagem, que parece baixa, é contrastante em um país pioneiro no cuidado e no tratamento da doença, que oferece prevenção, testagem, remédio gratuito e centros de terapia específicos.
Segundo o infectologista Fernando Chapermann, que trabalhou no ambulatório do MED PUC até o ano passado, o HIV/Aids se tornou crônico por causa da quantidade de tratamentos para controle da doença que existem atualmente. Chapermann observa que, cada vez mais, os jovens começam a vida sexual cedo. E, aponta, pouco ou não orientados, eles buscam informações por meio de amigos, redes sociais e sites com conteúdo pornográfico. Ele diz que a chegada ao Brasil do medicamento chamado Profilaxia Pós-Exposição (PEP) auxiliou na crença de que é possível se relacionar sexualmente sem se preocupar com a infecção.
– Na verdade, o que acontece é mais um desafio para entender a mentalidade da população do que exatamente algum erro comportamental, algum desvio da política comportamental.
Chapermann comenta que, hoje, o aspecto de uma pessoa com Aids não é o mesmo dos anos 1980, quando ela foi revelada para o mundo. Se antes a aparência dos soropositivos causava apreensão, atualmente as condições físicas são de pessoas fortes, que transparecem saúde. Tudo isto somado à prematuridade sexual e à falta de informação, afirma o infectologista, contribui para a diminuição do receio de a pessoa ser infectada.
– Eu acredito que a população está cada vez menos preocupada com a infecção do HIV, visto que apesar de termos dados e números de mortalidade ainda altos, você não vê mais aquelas imagens horrorosas na televisão de artistas com HIV e Aids, muito magros, consumidos, não aguentando fazer o show, como acontecia com artistas famosos, na década de 80 e 90, como por exemplo Fred Mercury e Cazuza.
Mas se por um lado o tratamento livrou muitas pessoas de um fim triste como o de Mercury e Cazuza, outras questões surgem para os médicos. Chapermann afirma que o HIV/Aids se tornou crônico, assim como a hipertensão e diabetes que, apesar de não terem cura, são passíveis de tratamentos para dar qualidade de vida ao paciente. O que não se imaginava, observa o infectologista, era que o longo tempo de exposição aos medicamentos antirretrovirais acarretariam em outros tipos de doenças, como o câncer.
– Eu tenho pacientes que tem 20 anos de HIV, tomam seus remédios, são chamados de indetectáveis, a gente não detecta pelos métodos tradicionais. Estas pessoas que têm HIV, há 15 ou 20 anos, elas têm mais chances de ter hipertensão, infecção pulmonar, acidente vascular cerebral, infarto agudo do miocárdio, osteoporose, câncer, coisas que a gente não imaginava.
Na ponta do iceberg
Os números apresentados pelo Ministério da Saúde não são condizentes com as informações fornecidas pela Unaids. Os dados colhidos pelo ministério são interpretados de forma diferente. Há pessoas que são infectadas por HIV e não desenvolvem a doença. Mas, de acordo com Chapermann, de 20 a 25 % de pacientes com HIV abrem casos de Aids e, por causa disso, apresentam uma doença oportunista ou doença definidora de Aids.
– O Ministério da Saúde trabalha com números muito duros e muito objetivos, então você tem que fechar o diagnóstico do HIV e notificar. Mas ao dar o remédio para o paciente precocemente, no momento que eu fecho o diagnóstico de HIV, não deixo essa pessoa chegar à Aids e, assim, eu reduzo o número dos casos de Aids. O que não é esperado é ter um aumento tão expressivo do número de pessoas com HIV. Isso é sinal que as pessoas estão se infectando.
Coordenador do Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direito entre Jovens, da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA), Vagner João Benício de Almeida afirma que a divisão proposta pelo ministério é confusa, diante da variedade populacional e a densidade demográfica do país. Para Almeida, a verificação deve ser feita com a ajuda da antropologia, sociologia e etnografia para se chegar a um valor mais próximo da realidade. Ele critica a forma como a conta é feita, e que as pessoas responsáveis por esses cálculos não mantêm contato com o objeto de análise.
– Eles vivem mais e trabalham mais a parte técnica da epidemia, enquanto que, na verdade, nem dentro dos próprios laboratórios e hospitais você consegue pegar esses números, uma vez que muitas pessoas não chegam nem a serem hospitalizadas, não querem ser hospitalizadas ou diagnosticadas que elas estão com o HIV.
Almeida alerta ainda para a desinformação como agente que auxilia no crescimento de infecção por HIV entre os jovens. Ele afirma que a falta de informação não é o problema, mas sim a falta de conteúdo qualificado para falar sobre o assunto. Segundo ele, é necessária uma política de educação sexual nas escolas e em casa. De acordo com relatos atribuídos a jovens do seu projeto, os números da doença só devem cair quando for possível falar abertamente sobre sexo, gênero, identidade cultural e saúde.
– Esse só é o início, só é a ponta desse enorme iceberg.
Chapermann tem o mesmo ponto de vista sobre a necessidade de promover discussões sobre sexo nas escolas. Para ele, investir na prevenção é fundamental, mas ainda hoje existem barreiras sociais, políticas e educacionais para se discutir sobre o assunto nas salas de aula e também no ambiente domiciliar.
– Há pais que não conversam sobre isso com seus filhos. Isso deve ser falado, isso deve ser comentado e deve ser trabalhado e inserido no contexto educacional das escolas. É fundamental, que as crianças, desde novinhas tenham uma disciplina para tratar do tema, para falar sobre preservativo.