Um dos maestros da virada do Flamengo na gestão esportiva, refletida na liderança entre as marcas mais valiosas dos clubes do futebol brasileiro – R$ 1,49 bilhão, seguido do Corinthians (R$ 1,42 bi) e do Palmeiras (R$ 1,02 bi), calcula levantamento anual da BDO Brazil –, o presidente Eduardo Bandeira de Mello cumpriu o esperado na palestra sobre governança organizada pelo IAG - Escola de Negócios da PUC-Rio, em parceria com a Associação de Antigos Alunos. Aos estudantes reunidos na Universidade, ele acentuou pontos nevrálgicos à responsabilidade fiscal e aos compromissos trabalhistas, sem os quais não se constroi a confiança imprescindível para atrair consumidores e investidores. Também revelou bastidores do clube, contou histórias e, talvez contagiado pelo ambiente universitário, permitiu-se uma irreverência pouco comum. Mais que isso, permitiu-se trocar passes sobre temas geralmente evitados em encontros públicos e com a imprensa.
Numa dessas variações do script, Bandeira reiterou que "a melhor solução para os problemas do Maracanã" é concedê-lo ao Flamengo. Com igual eloquência, aproveitou o debate sobre legislação esportiva para rebater críticas de que o clube teria com a Confederação Brasileira de Futebol uma relação contraditória, por mconta das oscilações entre as táticas adotadas no campo político: ora retranca, ora tabelinha com a CBF.
O presidente do Flamengo argumenta que a suposta contradição estaria com a mandatária do futebol brasileira. Haveria, para ele, duas CBFs na mesma organização: uma associada a medidas progressistas, a outra presa a filosofias e práticas antigas. A tendência é a gestão rubro-negra manter "uma abertura ao diálogo" com a Confederação, para aguçar a chance de que "as medidas certas sejam tomadas":
– Muita gente diz que sou contraditório porque uma hora estou com a CBF e, em seguida, estou contra. Mas não é bem assim. A CBF que é contraditória. Existem duas CBFs: a do bem e a do mal. Quando ela age como a do bem, eu apoio. Quando ela toma medidas como a última, que aumentou o poder de decisão das federações e diminuiu o poder dos clubes, eu fico contra. Tem que ser assim. O desejo é que, algum dia, sobre apenas a CBF do bem.
A "última da CBF" a que se refere Bandeira de Mello foi uma jogada empreendida, por coincidência, no mesmo dia em que os holofotes da cobertura esportiva se ocupavam da goleada do Brasil sobre o Uruguai, pelas eliminatórias da Copa da Rússia. A seleção ganhou dos uruguaios por 4 a 1, show de Neymar, e pavimenou a classificação ao Mundial, confirmada na rodada seguinte. A CBF também costurou, para boa parte dos analistas, uma vitória política igualmente expressiva. Com uma mudança estatutária, ampliou o cacife decisório das federações, que passam a ter peso três nas votações. Clubes da Séria A têm peso dois e da Série B, peso 3. Na eleição à presidência da CBF, as federações somam agora 81 votos e os clubes, 60.
Na contramão de uma das principais novidades rascunhadas no anteprojeto da nova Lei Geral do Desporto – o maior poder decisório dos clubes, correspondente ao protagonismo como provedores dos campeonatos regionais e nacionais –, a mudança estatutária contrariou os gestores dos principais clubes do país. Bandeira de Mello não é exceção, como reiterou na palestra aos alunos do IAG PUC-Rio.
O presidente do Flamengo também esteve longe da retranca ao abordar uma novela cujo prolongamento assombra não só interesses locais, mas a história e a alma do futbel verde-amarelo: a exploração do Maracanã, em aberto desde que o consórsio comandado pela Odebrecht interrompeu a operação, no ano passado. Em meio ao vaivém de novos e velhos canditados, em meio à maré de negociações e especulações, Bandeira de Mello acredita que "a melhor solução é deixar o estádio na mão do Flamengo pelos próximos 35 anos". Para sustentar a posição e impor-se diante da concorrência da iniciativa privada para gerir o Maraca, o executivo remontou as anos 1980, quando a Gávea respirava o melhor time da história rubro-negra, formado por Zico, Adílio, Tita, Andrade e outros bambas:
– Nos anos 80, o Flamengo ganhou tudo. Era uma época espetacular para o clube, e nesse mesmo tempo várias empresas estavam no auge. Se há 35 anos o Maracanã tivesse sido deixado sob a tutela do Flamengo, mesmo com os momentos difíceis, não haveria problema algum. O clube se manteve. Grande parte das empresas que estavam no auge há 35 anos faliu, não existe mais. Se tivessem dado o estádio na mão de uma delas, seria impossível prever o que poderia ter acontecido. Aquele medo de que entre outro presidente e regrida tudo não faz sentido. Deixar o Maracanã sob responsabilidade de um grupo de empresas é muito pior.
Independentemente do modelo e do estilo de gestão, Bandeira de Mello ressalta a importância da governança como um vetor fundamental à construção de um círculo virtuoso que começa com um saneamento fiscal e financeiro – necessário não só para o (re)eequilíbrio das contas, mas para construir um abiente de transparência e confiança indispensável à captação de investimentos. O executivo considera o Profut (programa de modernização administrativa e de responsabilidade fiscal do futebol brasileiro) um divisor de águas à migração de uma gestão leniente para uma gestão comprometida com a governança.
– A aprovação do Profut representa um grande avanço para o nosso futebol. A partir dele, a boa gestão é recompensada e dirigentes irresponsáveis passam a se preocupar mais com as atitudes que tomam em nome dos clubes. No Flamengo tomamos também medidas internas para garantir que as próximas gestões não retrocedam. O bom é que o Profut força todos a se adequarem. Isso propicia um futuro melhor do esporte. É o que almejamos.