Flor originária do Oriente, a camélia batizou a propriedade do português José de Seixas Magalhães no fim do século XIX. Com o consentimento do proprietário, o local abrigava o quilombo das camélias, um dos mais atuantes na abolição da escravatura. O antigo grupo foi caracterizado pela luta política e pelo apoio de intelectuais, e as camélias que lá eram plantadas tornaram-se símbolo do movimento abolicionista. Elas foram usadas pelos apoiadores da causa e ornamentaram, inclusive, o Palácio da Guanabara e as vestes da Princesa Isabel.
Esses fatos estão descritos pelo historiador Eduardo Silva no livro As Camélias do Leblon e a Abolição da Escravatura. Na obra, o autor reconhece o grupo como um dos primeiros quilombos de resistência, atuante politicamente com a ajuda de pessoas influentes e simpatizantes da causa. Segundo Silva, não havia preocupação em esconder a existência das reuniões em prol da abolição.
O terreno do antigo quilombo hoje abriga, entre os prédios do Alto Leblon, o Clube Campestre da Guanabara. Professor de capoeira no local há quatro anos, Bruno Pé de Boi tenta manter viva a história do lugar. Todo ano, no dia 13 de maio, ele participa da organização de uma feijoada, em que ocorrem apresentações de danças afro-brasileiras. Para ele, o porquê do simbolismo da flor é uma das coisas mais importantes dessa memória.
– Até então, se dizia que o escravo só servia para cuidar de coisas brutas, que não tinha sensibilidade. Os abolicionistas queriam demonstrar exatamente o oposto. Escolheram plantar camélias no quilombo justamente por ser uma flor superdelicada.
O livro de Eduardo Silva destaca que a princesa Isabel promoveu festas em Petrópolis para arrecadar fundos para o movimento. Na mais famosa, conhecida como Batalha das Flores, a monarca enfeitou o vestido e os carros que a levavam com camélias. Uma ilustração da Revista Ilustrada, também utilizada na obra de Silva, mostra o momento em que ela, após assinar a lei Áurea, recebeu um buquê de camélias artificiais e outro com flores naturais, provavelmente vindas do quilombo do Leblon. Os presentes foram, respectivamente, do então presidente da Confederação Abolicionista, João Clapp, e de José Seixas Magalhães.
Apesar do apoio da família real, não há unanimidade entre os historiadores sobre as intenções da princesa. A professora Iamara Viana, do Departamento de História, afirma que os relatos históricos dão a entender que a alteza era engajada no movimento, mas faz ressalvas quanto ao significado político dos atos abolicionistas.
– O quilombo do Leblon sofreu poucas intervenções por conta das relações do dono da chácara que abrigava o grupo, José Seixas Magalhães. Sempre que havia complicações, ele ia até a princesa, que se remetia ao imperador para ajudá-los nesse sentido. Ela pode ter feito essas escolhas pensando na própria imagem histórica. Apesar disso, é importante destacar que o movimento não teria tido sucesso sem a resistência e as fugas dos escravos.
Para chegar à chácara onde ficava o quilombo, era necessário pegar o bonde da companhia de Ferro-Carril até onde hoje é a praça Santos Dumont, na Gávea. De lá, os simpatizantes da causa e os escravos fugidos usavam o morro Dois Irmãos como referência para seguir a pé a atual Avenida Bartolomeu Mitre, no sentido da praia. Na subida para o quilombo, a vigília procurava na lapela dos visitantes pela camélia, símbolo de simpatia com o movimento abolicionista.
Iamara destaca que os casos de escravidão do fim do século XIX eram muito diversos. De acordo com a professora, houve uma gradativa redução do número de escravizados no Brasil até o momento da abolição. Quando a Lei Áurea foi assinada, diz a professora, alguns escravos do meio urbano já tinham mais autonomia para trabalhar, contanto que pagassem dotes aos senhores. No campo, a chegada dos imigrantes gerou dificuldades para inserir os libertos no mercado de trabalho.
– A partir dos anos 1830, os escravos trabalharam na agricultura do café. Quando trouxeram imigrantes para as fazendas, para onde iriam esses negros, que até aquele momento foram a manutenção do capital na sociedade brasileira? Aí passamos a ter um problema sério. Ainda existem heranças socioculturais. Pensando na atualidade, quando olhamos as favelas, as pessoas mais pobres e os moradores de rua, qual cor vemos? Isso é muito forte.