No texto da nova Encíclica, Laudato Sí, o Papa Francisco faz várias críticas quanto ao nosso modo de pensar, ser e agir num mundo que vive hoje uma grave crise socioambiental. Todas essas críticas nos ajudam a refl etir e repensar nossas posturas e ações, tendo em vista a responsabilidade que temos diante de tudo aquilo que o Criador colocou em nossas mãos, para que pudéssemos administrar com sabedoria. No presente artigo selecionamos algumas dessas críticas, para que as mesmas possam nos ajudar naquilo que o Pontífi ce chama de conversão ecológica, aspecto tão enfatizado no documento. A primeira crítica diz respeito à visão consumista do ser humano, incentivada pelos mecanismos da economia globalizada. Para o Papa, este comportamento além de consumir e destruir exageradamente os recursos disponíveis no planeta, tende também a homogeneizar as culturas e a debilitar a imensa variedade cultural que é um tesouro da humanidade. O ritmo de consumo, desperdício e alteração do meio ambiente superou as possibilidades do planeta, tornando este estilo de vida insustentável. A segunda crítica se refere à cultura do descarte que afeta tanto os seres humanos excluídos, como as demais coisas que se convertem rapidamente em lixo. Segundo ele, ainda não conseguimos adotar um modelo circular de produção para assegurar e limitar o uso dos recursos não renováveis, moderando o seu consumo, e maximizando a efi ciência no aproveitamento, reutilização e reciclagem. Embora tenhamos progressos na superação desta cultura, os resultados ainda são muito escassos. A terceira crítica está relacionada aos efeitos sociais e ambientais das mudanças climáticas. Além de aumentar a emigração e fuga da miséria agravada pela degradação ambiental, as mudanças climáticas interferem no processo de migração de animais e plantas, com repercussões no meio ambiente. O Papa chama a atenção sobre a indiferença que ainda existe perante estas tragédias que estão acontecendo em diferentes partes do mundo, com tendência a aumentar ainda mais nas próximas décadas. A quarta crítica é sobre a problemática da água. Se de um lado aumenta a escassez em muitos países, tornando motivo de disputas territoriais por este bem comum, por outro, existe tanto o problema da qualidade da água disponível para os pobres, que são as vítimas das doenças das águas contaminadas, como também da tendência de privatização deste recurso escasso, tornando-o uma mercadoria sujeita às leis do mercado. A quinta crítica está relacionada à perda da biodiversidade, pois a cada ano desaparecem milhares de espécies animais e vegetais que já não poderemos conhecer, e que os nossos fi lhos não poderão vê-las no futuro, pois foram perdidas para sempre. Por nossa causa, milhares de espécies já não darão glória a Deus com a sua existência, nem poderão comunicar-nos a sua própria mensagem. Sobre este ponto, o Papa afi rma que as propostas de internacionalização da Amazônia só servem aos interesses econômicos das corporações internacionais. A sexta crítica diz respeito à deterioração da qualidade de vida humana e da degradação social, onde o crescimento desmedido e descontrolado das grandes cidades vem provocando o caos urbano, como poluição, transporte, violência, narcotráfi co etc, sinais que mostram como o crescimento nos últimos dois séculos não signifi cou um verdadeiro progresso integral, e uma melhoria da qualidade de vida. A sétima crítica está na visão que separa os problemas sociais dos ambientais. Segundo o Papa, não podemos enfrentar a degradação ambiental, se não prestarmos atenção às causas que tem a ver com a degradação humana e social. É fundamental buscar soluções integrais para os sistemas naturais e sociais, pois não há uma crise ambiental e outra social, mas uma única e complexa crise socioambiental. A oitava crítica consiste em culpar o crescimento demográfi co por todos os problemas planetários. Embora ele possa ser considerado, devemos reconhecer que este crescimento é plenamente compatível com um desenvolvimento integral e solidário. Culpar o crescimento demográfi co em vez do consumismo exagerado é uma forma de não enfrentar os grandes problemas. A nona crítica se reporta ao antropocentrismo fechado sobre si mesmo, que acabou por colocar a razão técnica acima da realidade, fazendo com que o ser humano já não sente a natureza como norma válida, nem como refúgio vivente. Segundo o Papa Francisco, a melhor maneira de colocar o ser humano no seu lugar, e acabar com a sua pretensão de ser dominador absoluto da terra, é propor a fi gura de um Pai Criador e único dono do mundo. A décima crítica consiste na inefi cácia das relações e discussões políticas. Os encontros de cúpulas mundiais sobre o meio ambiente nos últimos anos não corresponderam às expectativas e nem alcançaram, por falta de decisões políticas, acordos ambientais globais realmente signifi cativos e efi cazes. A décima primeira crítica está relacionada com o paradigma tecnocrático, que tende a exercer o seu domínio sobre a economia e a política. A especialização própria da tecnologia comporta grande difi culdade para se conseguir um olhar de conjunto, aumentando a fragmentação dos saberes e perdendo o sentido da totalidade e das relações existentes entre as coisas. A décima segunda crítica está voltada para o relativismo prático, uma patologia que leva uma pessoa a aproveitar-se de outra e a tratá-la como mero objeto, como é o caso do trabalho escravo, da exploração sexual das crianças, do abandono dos idosos e crianças, da compra de órgãos dos pobres etc. Que estas críticas do Papa Francisco possam nos ajudar no aprofundamento destas questões, lutando por um mundo socialmente mais justo e fraterno, e ecologicamente mais sustentável.
PE. Josafá Carlos de Siqueira, S.J
Reitor da PUC-Rio