Pesquisadores do Centro de Ciências Sociais (CCS) e do Centro de Teologia e Ciências Humanas (CTCH) se reuniram no Auditório do IAG para a apresentação de suas propostas e reflexões sobre o tema “Cidades”. De departamentos que variavam da Geografia às Letras, os especialistas ressaltaram o papel da universidade como transformadora da qualidade de vida urbana e a necessidade de uma maior integração entre os diferentes grupos sociais da cidade.
— A ideia é que os professores entrem em contato e comecem a dialogar para produzirem pesquisas coletivas, conjuntas, interdisciplinares, interdepartamentais — afirmou a professora Mônica Herz, coordenadora setorial de Pós-Graduação e Pesquisa do Centro de Ciências Sociais (CCS), sobre o encontro que reuniu doze professores.
O Diretor do Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente (Nima), Luiz Felipe Guanaes, sugere a agricultura ecológica urbana como uma forma alternativa de gerir os resíduos orgânicos gerados pela população das cidades. Para ele, “essa iniciativa daria conta não só da grande quantidade de matéria orgânica produzida, mas também traria uma melhora para a qualidade de vida das pessoas, uma vez que aproxima a produção do consumidor e não utiliza agrotóxicos que podem ser prejudiciais à saúde”. Ele ressalva, no entanto, que “há dois grandes desafios a serem vencidos: envolver a sociedade na realização do projeto e planejar o plantio de forma que a horta produza continuamente e sem desperdício”.
Foi desenvolvido na PUC-Rio um software que permitiria calcular os ciclos de cultivo, indicando quando e o quanto plantar de cada alimento para produzir o suficiente para o consumo de uma família de forma contínua; mas o projeto encontrou nos microclimas diferenciados, inerentes ao meio urbano, um obstáculo, já que era pouco específico. O projeto foi reativado e pesquisadores dos departamentos de Geografia, Engenharia Elétrica e Design trabalham para tornar o software mais preciso e eficiente (leia entrevista com Guanaes no fim da reportagem).
O professor Marcelo Burgos ressalta a importância da atuação da PUC-Rio na promoção da integração entre os diferentes setores sociais do Rio de Janeiro. Segundo ele, nos anos 80 e 90 a agenda era de integração entre a favela e outros atores da cidade, mas o tema da violência ofuscou essa pauta:
— A preocupação com a segurança se sobrepõe à preocupação com a urbanização das comunidades. Contrariado com esse cenário, eu passei a buscar entender como as escolas lidam com os alunos, e constatei que as escolas públicas não querem ter esse papel, de integrar o aluno pobre ao resto da sociedade.
A partir desse diagnóstico, Burgos afirma estar “convencido de que esse debate deve ser mais pró-ativo”.
— A universidade deve ter seu papel nesse debate, sobretudo em relação à Rocinha; é uma grande oportunidade para nós também, como pesquisadores.
Decano do Centro de Teologia e Ciências Humanas (CTCH), o professor Júlio Diniz acrescentou que "a universidade precisa mostrar que está viva, que está pensando no Brasil, que está pensando no Rio de Janeiro”.
— A universidade tem que cumprir esse papel: não só tem que pensar, tem que refletir, mas tem que criar saídas e propostas, porque a universidade é parte da cidade, não pode ser um local isolado, não pode ser lugar de um saber distante. Ela tem que estar ao lado da comunidade. E ninguém pode esquecer que o Vidigal e a Rocinha estão aqui do lado.
Para o vice-decano do CCS, Augusto Cesar Pinheiro da Silva, a universidade deve ajudar a pensar também políticas territoriais – como o Modelar a Metrópole, ou Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano Integrado da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (PDUI/RMRJ). O projeto “está reunindo poderes públicos dos municípios, sociedade civil, instituições acadêmicas, empresariado e organizações de classe para elaborar um Plano Estratégico que oriente o desenvolvimento da Região Metropolitana do Rio rumo a um futuro com mais qualidade de vida, justiça social e igualdade”.
— É uma contradição existir uma região metropolitana do Rio de Janeiro com 21 municípios cotidianamente integrados, mas politicamente segmentados. Não estou dizendo que precisamos unificar politicamente todos os municípios; mas ao menos dar a eles maior autonomia para lidar com seus problemas de maneira concatenada. Isso facilitaria a gestão da região metropolitana.
Também participaram do encontro os pesquisadores Maria do Carmo L. de Oliveira, Sarah da Silva Telles, Renato Cordeiro Gomes, Virginia Totti Guimarães, João Masao Kamita, Rafael Soares Gonçalves, Leonardo Pereira, João Nogueira e Luis Manuel Rabelo Fernandes.
De acordo com Mônica Herz, “a possibilidade de pensar a cidade interdisciplinarmente vai nos levar a políticas públicas para uma cidade mais humana, com menos exclusão, e com maior desenvolvimento econômico”. Júlio Diniz também avaliou a integração dos centros como positiva:
— É impressionante como um [estudo] dialoga com o outro, uma pesquisa se liga à outra. Na verdade é uma agenda de soma de esforços. Existe uma autonomia dos dois centros, um com sete departamentos e outro com nove, mas também existe um diálogo aberto. Estamos num momento de construção de pontes entre as margens do Rio Rainha. A ideia está dando certo e eu acho que a gente vai continuar isso.
Guanaes, diretor do Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente (Nima), respondeu a perguntas sobre agricultura urbana.
Jornal da PUC: Quais os principais desafios e vantagens da agricultura no meio urbano?
Guanaes: As pessoas têm uma visão muito reducionista e acham que a agricultura urbana é só pegar a agricultura rural e colocar em lugares pequenininhos no meio da cidade. Isso está errado. O modelo urbano de produção tem certas características que de alguma forma a ciência tradicional não dá conta. São pequenas áreas que estão muito próximas da população, então não se pode produzir, por exemplo, num terreno de 100 metros quadrados 1.500 pés de alface – o que vai acontecer é que vai estragar a alface, porque mesmo depois de distribuir entre toda a vizinhança, ainda vai haver desperdício. A produção urbana deve que ser contínua. Por estar muito próxima do consumidor, deve se parecer com uma feira; enquanto na agricultura tradicional cada qual produz um hectare de alguma coisa, na feira você tem pedacinhos [de cada produção]. É necessário desenvolver uma outra maneira de plantar, contínua e diversificada.
Há um outro problema, sendo contra ou a favor do agrotóxico: para ser aplicado o defensivo tem um conceito chamado “tempo de carência”, e precisa deixar de ser aplicado um tempo antes da comercialização. Esse conceito dentro do meio urbano é extremamente complicado. Imagine uma horta que está integrada à comunidade, que se parece com um jardim; você estimula todo mundo a comer verduras, como é que você vai colocar o defensivo ali dentro? E quando você tem uma produção contínua, diversificada, como você saberia os tempos de aplicar os defensivos? A opção técnica no meio urbano, então, é o cultivo orgânico. Mas isso é também uma vantagem, porque essas técnicas utilizam muita matéria orgânica, que cidade produz muito e tem problemas para descartar. Então ao implementar hortas na cidade, você consegue absorver essa matéria orgânica normalmente desperdiçada. Eu diria que o maior desafio do cultivo urbano é técnico, falta pesquisa, para que isso seja viável em termos de produtividade.
Jornal da PUC: Como funciona o software que foi mencionado no encontro?
Guanaes: Na verdade, isso foi feito há muito tempo atrás, há uns 20 anos, através de uma parceria entre a Geografia, [Engenharia] Elétrica e o Design, e esse software foi aplicado em projetos comunitários; só que com o tempo fomos percebendo que apesar de esse software gerar a gestão da produção, existia um problema entre uma generalidade de técnicas de plantio e a especificidade muito grande dos microclimas. Quem é capaz de resolver isso é um hortelão, um profissional com anos e anos de experiência. Ele é capaz de adequar o software ao microclima local. Mas também constatamos que esse nível de formação [do hortelão] é muito complexo. Então estamos reativando o projeto de pesquisa para tentar transformar o software numa ferramenta mais inteligente que consiga considerar os microclimas, adequando os padrões de plantio, colheita, tratos, etc. Estamos agora trabalhando com duas hortas modelo, uma de sol e uma de sombra, para tentar entender a influência precisa do microclima nesses padrões de cultivo para tornar o software mais preciso a partir das características geomorfológicas de cada lugar.
Jornal da PUC: Como atrair a sociedade para participar desse projeto?
Guanaes: Isso é um grande desafio. Nós temos uma preocupação muito grande em produzir alimentos. Mas outros pesquisadores alertaram: alimento é incrível, mas precisa virar comida. A comida não tem nada a ver com a técnica de produção, tem a ver com a cultura, a percepção, a história da pessoa. Tem milhões de formas de entender isso, como pesquisar os padrões de consumo, propor alternativas para uma alimentação melhor, etc. Dentro de um projeto específico, a nossa horta na Escola Médica, nós vamos buscar uma relação maior com o pessoal de Sociologia e Antropologia. Vamos tentar identificar, possivelmente no Parque da Cidade, uma ou duas famílias com certas características socioeconômicas e essas pessoas vão começar a receber [a produção]. Vamos começar uma outra pesquisa paralela, que trata de como essas pessoas vão pegar essas verduras e utilizá-las constantemente, num prazo de uns dois, três anos. E tentar entender qual a reação – negativa ou positiva – em relação à verdura e qual o efeito nutricional naquela família, por isso também a Escola Médica está participando do projeto. Nós esperamos sensibilizar pesquisadores de outras áreas, que sejam menos técnicas, para entender como essa produção vai dialogar com o cotidiano, com sua vontade de comer da população e de fato gerar um impacto na qualidade de vida das pessoas.