Na tentativa de se adaptar à irrefreável disseminação da consciência ambiental no mundo, a sociedade aos poucos encontra formas de fortalecer a economia por meio de investimentos em sustentabilidade. Enquanto isso, tanto o Brasil quanto o mundo ainda se baseiam em modelos desenvolvimentistas cujos investimentos na produção industrial potencializam o mercado de consumo em massa, a fim de apresentar resultados econômicos em números absolutos, muitas vezes sem levar em conta questões sociais. Todavia, não são poucas as pessoas que, hoje, preferem comprar madeira extraída de áreas certificadas por enxergar no produto um sinônimo de qualidade, uma vez que, embora mais cara, trata-se de uma madeira que acrescenta confiança ao seu valor final.
Jornalista e professor da PUC-Rio André Trigueiro acredita que o mundo contemporâneo vive uma cultura que se expande na direção da ética do cuidado em relação ao meio ambiente, de modo que, independe de leis ou instituições, forma-se na sociedade um conjunto de valores responsável por influenciar hábitos e comportamentos, a fim de se alcançar um padrão de vida diferente. Trigueiro usa como exemplo a indústria tabagista, extremamente poderosa no século passado, mas em declínio nos últimos anos devido à disseminação das consequências nocivas do cigarro à saúde. De acordo com o professor, que é pós-graduado em Gestão Ambiental pela COPPE/UFRJ, uma vez que a cultura da sustentabilidade avança, não por convicção, mas por conveniência, certos setores do capitalismo, eventualmente, adaptam-se a isso.
— Por exemplo, o Bill Gates, que ainda é o homem mais rico do mundo, tem uma fundação que pega uma fábula de dinheiro só para novas tecnologias de interesse social. Ele dá prêmio para quem traz a melhor invenção que ajude países pobres a saírem do buraco. Ele montou na África uma estação de tratamento de esgoto que gera energia a partir do esgoto. E você não vai dizer que ele não é capitalista. O cara é o homem mais rico do mundo. Mas tem uma visão humanista, social, quase socialista.
A visão desenvolvimentista brasileira remete à Era Vargas, quando havia uma tendência mundial utilizar o modelo como solução à Crise de 29. Trigueiro explica que isso se intensificou a partir do Plano de Metas idealizado por Juscelino Kubitschek, que apostou no crescimento econômico do Brasil por meio de investimentos no setor industrial, sobretudo o automobilístico, com construção de estradas ao longo do país e presença de empresas estrangeiras. Segundo Trigueiro, a percepção de J.K. era de que o setor automotivo agregava vários setores de mercado que são interdependentes, como a montadora, o setor de autopeças e o setor de combustíveis.
— Apesar disso, não havia, naquele momento, nenhuma preocupação com consciência ambiental. Você não tinha legislação ambiental como tem hoje, você não tinha ministro ou secretário de Meio Ambiente. E não era só o Brasil. O mundo era um lugar onde progresso era sinônimo de fumaça. É muito importante a gente se situar historicamente.
Ronie Lima, jornalista e ambientalista, avalia que, se por um lado, o plano de JK aumentou o Produto Interno Bruto (PIB) em um primeiro momento, por outro, gerou uma dívida externa que duraria ainda por muitos anos, resultado que denota a insustentabilidade desse tipo do projeto. Lima considera que o grande erro do Presidente foi não perceber que o desenvolvimento do setor automotivo iria implicar no sucateamento de um setor ferroviário que o Brasil já tinha e que acabou por apodrecer ao longo do tempo. O ambientalista, que cobriu a Rio-92 pelo jornal Folha de S. Paulo, argumenta que um país continental não pode depender de transporte sobre rodas, pensamento que segue vivo até hoje, observado em investimentos como o BRT, realizado pelo governo carioca.
— A desculpa é sempre que é mais barato, que gera mais emprego, mas, em longo prazo, você está gastando mais, com combustível, com manutenção de todos os veículos etc. Isso só mostra que até hoje não evoluímos. No fundo, acontece que a indústria automobilística tem um lobby muito forte e, independente do governo, acaba ganhando muito poder no meio político. Todos os governos ficam nas mãos da indústria.
De acordo com Lima, o Regime Militar deu continuidade ao ideal desenvolvimentista, de modo que pouco houve mudanças no que diz respeito aos cuidados com o meio ambiente. Ao contrário, durante o Milagre Econômico, obras faraônicas como a Transamazônica e a Hidrelétrica de Tucuruí geraram impactos irreversíveis. Além disso, grandes projetos para atrair pessoas de diversas regiões do país se refletiram em ocupações desordenadas, bem como a exploração de recursos ambientais de forma inadequada.
— A política de incentivar a ocupação da Amazônia, através da pastagem, das grandes plantações, depois com a soja, foi desastrosa. A ideia era simplesmente ocupar, criar espaço para o desenvolvimento econômico, mas em momento algum se pensou nas consequências. No governo Fernando Henrique Cardoso houve uma política de criminalizar a ocupação de terras, e acabou pegando muita gente que no período militar tinha sido convocada para ocupar aquelas áreas. E isso foi muito criticado, porque essas pessoas passaram a ser tratadas como criminosas, quando, na verdade, haviam sido incentivadas àquilo.
André Trigueiro usa como exemplo a cidade de Cubatão, que, no auge do Milagre Econômico, foi batizada como Vale da Morte. O jornalista conta que Cubatão era uma zona industrial tão poluída que registrava, segundo as autoridades de saúde da época, o maior número de casos de hidrocefalia do Brasil, fetos com má formação do cérebro, além de uma profusão de doenças respiratórias porque o ar simplesmente era irrespirável.
— Essa cidade é o retrato de um modelo de desenvolvimento rápido com efeitos terríveis sobre as pessoas, sobre a biodiversidade. Cubatão só deixou de ser isso quando, lá fora, principalmente a partir da Europa, começou a haver uma pressão internacional para, por exemplo, não liberar crédito para grandes empresas mundiais consideradas poluidoras, com atividades eticamente discutíveis. Apenas ao final dos anos 80 que mudanças de consciência pareciam dar seus primeiros passos, afirma Trigueiro, criador do curso de Jornalismo Ambiental de PUC-Rio. Ele indica uma linha divisória a partir da Rio 92, quando o Brasil sediou a conferência internacional da ONU sobre meio ambiente e desenvolvimento, ao reunir no Rio de Janeiro mais de 1.900 chefes de estado para lançar, pela primeira vez, para o mundo, a noção de desenvolvimento sustentável. Além disso, o professor considera que a Constituição de 1988 trouxe inovações jurídicas para proteger o meio ambiente, como definir quais deveriam ser as áreas de proteção ambiental, regras de licenciamento ambiental e protocolos de restrição para determinadas atividades impactantes.
— Você não tinha Ministério do Meio Ambiente, que só surge em 1998, com FHC. Secretaria Municipal de Meio Ambiente no Rio de Janeiro só em 1996, no governo Cesar Maia. O Brasil não tinha como tem hoje o ICMF ecológico, imposto que aumenta o valor do repasse para os municípios que são mais ecologicamente corretos. Hoje, Pará e Rio Grande do Sul reduzem IPTU dos proprietários que colocam iluminação natural, ventilação natural, coleta de água de chuva, aquecedor da água de banho com coletor solar. Tem muita coisa boa acontecendo.
Ronie Lima participou das conferências do Clima na Polônia (2008) e na Dinamarca (2009) como chefe da Assessoria de Comunicação do Ministério do Meio Ambiente. Para ele, o modelo desenvolvimentista no Brasil persiste até hoje, representado nos anos petistas pela estrutura de um crescimento econômico que se reforça com a criação de um mercado interno de massa, visão baseada ainda na importância do PIB como unidade para medir a riqueza de um país. O ambientalista defende que projetos como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) partem da ideia equivocada de que o crescimento é algo quantitativo, sem considerar aspectos qualitativos.
— Hoje, o Ministério do Meio Ambiente não tem recurso nenhum. É preciso lutar muito lá dentro para conseguir algum resultado significativo, porque não é uma coisa que entrou ainda na cabeça do governo brasileiro. Se, em nome do desenvolvimento, tiverem que passar por cima com escavadeira, guindaste, motosserra, vão passar.
De acordo com Lima, já existem exemplos de casos em que, ao invés de buscar o lucro desmedido, o capitalismo foi usado em prol da sustentabilidade, inclusive no Brasil. Ele chama atenção para um debate promovido pela Alerj em outubro deste ano, quando foram apresentados estudos para demonstrar que, pelo valor de R$ 50 milhões ao longo de 10 anos, seria possível reflorestar cerca de 3 mil hectares da Bacia do Rio Guandu, a fim de evitar a erosão que constantemente polui o manancial, de modo que seriam economizados, pela CEDAE, R$ 150 milhões até 2050 no tratamento de água. Lima aponta também para o caso do Município de Rio Claro, onde, durante sete anos, um projeto de reflorestamento gerou 270 postos de trabalho, cuja mão de obra, em sua maioria, era formada por pessoas com ensino fundamental incompleto, com poucas chances no mercado formal.
— Então, isso que é importante, você mostrar para a sociedade que o meio ambiente não é só importante para a preservação da vida humana, mas também para a economia humana. Ou seja, você pode ter sociedades modernas e avançadas em que a atividade econômica seja basicamente de economia verde. Tem que mostrar isso. Se você conseguir mostrar isso, você muda esse país em 20, 30 anos.