Antes considerada pela população um esgoto a céu aberto, a baía de Sidney, na Austrália, se tornou o maior legado ambiental para os cidadãos australianos após a Olimpíada de Sidney, em 2000. Já no Rio de Janeiro, a Baía de Guanabara, onde será a competição de vela, não terá o mesmo destino. Um dos principais cartões postais da cidade tem os velhos problemas ambientais que já chamavam a atenção muito antes do Rio ser escolhido como sede do maior evento esportivo do mundo.
Beirada por 16 municípios e fonte de renda para muitas famílias, a Baía de Guanabara acumula problemas como a falta de saneamento básico em áreas no entorno e o tratamento do esgoto.
Na década de 1990, o Governo do Estado do Rio de Janeiro lançou o Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG), com o objetivo de melhorar as condições sanitárias e ambientais da Região Metropolitana. No entanto, 20 anos depois, o que a população fluminense observa é que pouco foi feito pelos órgãos públicos.
Professor Renato Carreira, do Departamento de Química, explica que o PDBG foi um grande planejamento de saneamento básico desenvolvido estruturar a coleta de esgoto, controle de poluentes ambientais e um banco de dados para a gestão ambiental. Carreira aponta que, em termos práticos, não houve o avanço esperado. Para ele, uma das causas é a descontinuidade de projetos devido à influência política na gestão da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (CEDAE).
– As grandes empresas que poluíam na década de 1980 e 1990 foram enquadradas e reguladas. Por outro lado, nos últimos anos, a questão do esgoto piorou, os rios que desaguam na baía são grandes valões de esgoto a céu aberto. Como a CEDAE é uma empresa pública, há influência política. Muda o governo, a empresa muda sua direção, política e diretriz.
De acordo com o mesmo órgão, responsável pela execução das obras, controle do sistema de abastecimento de água e esgotamento sanitário, já foram investidos cerca de R$ 2,5 bilhões em recursos públicos e privados. Um dos maiores investimentos, a Estação de Tratamento e Esgoto – Sistema Alegria (ETE), no Caju, embora esteja preparada para receber 5 mil litros de esgoto por segundo, atualmente opera com metade desse número. Segundo a CEDAE, há uma dificuldade para construir redes de saneamento básico que liguem as áreas de construção desordenada ao sistema de tratamento. O principal objetivo é que a ETE Alegria colete o esgoto de diversos lugares como a região da Grande Tijuca, São Cristóvão, Méier, Engenho de Dentro, Del Castilho, Cachambi, Manguinhos, Bonsucesso, Riachuelo, Mangueira e Complexo da Maré.
Para o professor Renato Carreira, se a ETE Alegria estivesse funcionando plenamente, reduziria os resíduos poluentes despejados na Baía de Guanabara.
– Os canais do Cunha e do Mangue vão deixar de receber esgoto, e, em decorrência disso, a Baía de Guanabara deixará de receber resíduos poluentes. É preciso olhar o entorno da baía. Se sanearmos os rios que ficam no entorno, será um grande avanço – conclui.
Medalhista olímpico dos Jogos de Seul, na Coreia do Sul, e dos Jogos de Atlanta, nos Estados Unidos, Lars Grael se mostra decepcionado com o tratamento que as autoridades públicas tiveram com a poluição na Baía de Guanabara. Para ele, as competições de vela deveriam ocorrer na cidade de Búzios, por ser uma raia reconhecida como uma das melhores do mundo em termos de qualidade de ventos e ondas, além da qualidade da água.
– Pessoas do mundo inteiro treinam em Búzios. Embora a Baía de Guanabara seja um local de grande importância na prática da vela, além de ser uma raia difícil, com grandes variações de ventos e marés as condições sanitárias e ambientais não são as ideais – acrescenta.
Grael ainda afirma que “é uma vergonha” para o país um problema que se estende por tanto tempo. Ele diz que a agenda ambiental olímpica está comprometida, pois, segundo o velejador, outros lugares sofrem com o mesmo problema, como a Lagoa Rodrigo de Freitas, na Zona Sul da cidade, que recebe as competições olímpicas de remo, canoagem e paracanoagem. Ele ainda critica o excesso de poluição da baía.
– Naveguei em muitos lugares do mundo com o Torbem Grael, mas nunca vimos um lugar tão sujo. É nítido a água feia e a alta concentração de detritos flutuantes. É bastante desagradável para o atleta.
Em 2012, para intensificar e ampliar o projeto de despoluição da Baía de Guanabara, foi iniciado o Programa de Saneamento Ambiental dos Municípios do Entorno da Baía de Guanabara (PSAM). Segundo o documento da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável, o projeto tem o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento, em parceria com o Governo do Estado. Ao todo, as fontes de recursos financeiros chegam a R$ 640 milhões. Uma das metas do programa é construir redes de esgotos do bairro Cidade Nova até o ETE Alegria e corrigir os lançamentos irregulares dos sistemas de esgotos que ligam os coletores Tijuca/ São Cristóvão à Estação Alegria. A medida fará com que a maior estação de tratamento de esgoto receba um acréscimo de 1.250 litros de esgoto por segundo.
A Secretaria de Estado do Ambiente (SEA), por meio da Assessoria de Imprensa, afirma que as ações do PSAM envolvem tanto investimento no apoio às prefeituras quanto à promoção de políticas públicas de saneamento. A Secretaria destaca que o diferencial do atual programa para o PDBG é que, no primeiro projeto, há uma preocupação com os munícipios do entorno da baía. Um dos exemplos dessa preocupação são os dez Planos Municipais de Saneamento Básico (PMSBs). Conforme a Secretaria, o objetivo é estudar medidas de curto, médio e longo prazo, levando em consideração as áreas carentes em saneamento básico. Ainda de segundo a SEA, com a elaboração desse suporte e o término das obras que vão conectar centros coletores às estações de tratamento, canais como o do Mangue deixarão de despejar mil litros de esgoto por segundo na Baía de Guanabara.
A SEA esclarece também que a perfuração do tronco da Cidade Nova, no Centro, iniciada em novembro do ano passado, vai conectar o Centro do Rio de Janeiro à estação de tratamento Sistema Alegria. A meta é ampliar esse sistema com recursos do Programa de Aceleramento do Crescimento (PAC).
Pesquisa e tecnologia para despoluir
Em agosto do ano passado, o Governo do Estado do Rio de Janeiro criou o Observatório da Baía de Guanabara para a despoluir o local nos próximos 15 anos. O projeto tem o apoio de dez centros de pesquisa, sete deles de universidades fluminenses como a PUC-Rio, a UFRJ e UERJ. O acordo vai permitir a elaboração de diagnósticos sobre as condições ambientais e socioeconômicas da baía. A SEA ressalta a importância do Convênio de Cooperação Técnica para governança da Baía de Guanabara, que tem como exemplo a gestão da Baía de Chesapeake, nos Estados Unidos, uma referência de gerenciamento e de experiência sustentável bem sucedida.
Segundo a SEA, o objetivo do Convênio de Cooperação Técnica é estabelecer metas, integrar diferentes instâncias governamentais com a iniciativa privada, motivar a participação da popular e de centros de pesquisa, a partir da elaboração de estudos científicos de apoio. Destaca ainda que a experiência da baía americana demonstra que só desta forma a governabilidade da Baía de Guanabara será realmente eficaz e inclusiva para os municípios ao redor dela.