Normalmente associada à cultura e à tradição brasileiras, a capoeira atravessou o Atlântico e agora pode ser encontrada em diversos países da Europa. A arte, que mistura luta e dança, ganhou espaço nas ruas europeias e o número de estrangeiros praticantes aumenta a cada ano. Essa expansão é tema de estudo do professor de Antropologia da PUC-Rio Bernardo Conde, do Departamento de Ciências Sociais, que nos últimos anos pesquisa a trajetória da capoeira na Europa.
Apesar de praticar a arte marcial desde 1982, foi no ano 2000 que Conde começou a estudar o tema no Rio de Janeiro para desenvolver a dissertação de mestrado. O interesse pelo assunto aumentou quando ele esteve em um encontro de capoeira na Europa e observou os cerca de 900 estrangeiros que praticavam a luta. Essa foi a motivação para, em 2005, iniciar a pesquisa de doutorado, na qual buscou entender como a capoeira afetava o dia a dia dessas pessoas e a relação que ela tinha entre os aspectos culturais e o modo de vida europeu.
Na pesquisa, Conde descobriu que a capoeira chegou à Europa por meio dos grupos de folclore brasileiro que percorriam diversos países para apresentar algumas expressões da cultura afro-brasileira, como o samba, a capoeira e o candomblé. Ao perceberem o interesse dos estrangeiros, os capoeiristas optaram por permanecer na região e começar a dar aulas. O professor diz que, de acordo com a maior parte dos entrevistados, o elemento primordial de atração para essas pessoas é a imagem de uma arte que mistura dança e luta, com ritmo e acrobacias, além da estética visual, aliada a um exotismo da ideia de Brasil.
Conde também relata que os europeus observam o funcionamento do jogo. A ideia de que não há uma regra fixa, que depende mais do improviso e da interação com o outro, atrai o interesse dos estrangeiros.
– Isso para eles é fascinante por estar muito fora da realidade que estão acostumados a lidar. Eles se identificam com a capoeira por ser uma maneira de expressar um lado oprimido.
A americana Natalie Saldaña, 20 anos, estudante de intercâmbio na PUC-Rio, conheceu a capoeira por meio de um trabalho de escola sobre o Brasil, e ficou curiosa pela arte ao saber que era uma luta inventada pelos escravos. Mas foi apenas no Brasil que ela passou a praticar a luta.
– As minhas dificuldades foram, e ainda são, lembrar os passos, ter bom ritmo e flexibilidade. Capoeira é um misto de tudo – observa.
A americana faz parte do Grupo Igualdade, da PUC-Rio, com Mestre Camurça. Ela considera a capoeira uma comunidade, uma integração entre diferentes pessoas, de diversas culturas e um momento de distração. Ela conta que foi uma experiência única. Da capoeira vou levar ensinamentos de vida, que é preciso ter paciência e que a prática leva à perfeição.
► Um jogo cheio de ginga e história
De mal vista e até combatida pelas autoridades no século XIX, que a relacionavam inclusive a bandidos, atualmente a capoeira conquista espaço no Brasil e é difundida em diversas classes sociais como arte e esporte.
Para Mestre Camurça, que desde 1991 dá aulas na PUC-Rio, a capoeira é uma forma de integração de raças, idades e sexo. Todos são iguais no jogo. Ele explica que existem três movimentos básicos: a ginga, a esquiva e a cocorinha. A música é também um fator importante na prática, pois insere um significado e ritmo à luta.
– Na ginga, um jogador lê corporalmente o outro. A esquiva é utilizada para se defender e evitar um golpe; e a cocorinha consiste em ficar de cócoras e defender o rosto com a mão. Nas músicas, existem a chula, que os jogadores improvisam a letra que vai ser cantada, e a ladainha, que é que é quando a música conta uma história e assim introduz o jogador na roda.