Optei por falar do Anchieta dramaturgo, por três razões principais: por achar que o melhor veículo para a persuasão é o teatro: alia ao poder do texto as inflexões da fala dos atores, a expressividade dos gestos, as vestes, os movimentos em cena, algum cenário, mesmo natural, enfim, todos os recursos da dramatização, possíveis já àquele tempo; pela ternura que demonstra por alguns de seus tipos, pela profunda religiosidade, pela utilização de processos vicentinos, dando-lhes o seu cunho profundamente pessoal, como, por exemplo, no tratamento dado aos diabos, personagens marcantes de seu teatro, aos quais deu nomes indígenas; enfim, por fazer de seu teatro a arma que brandia contra os vícios e os erros, o escudo com que tentava proteger aqueles a quem queria ensinar a doutrina e a moral cristãs. Foi sobretudo como dramaturgo que este sacerdote, sempre sobrecarregado de trabalho, mais de uma vez Superior e Provincial, catequista acima de tudo, achou tempo para cantar mais insistentemente o seu amor e a sua devoção a Deus e à Virgem Maria, entremeando os ensinamentos da fé e da virtude, docens et delectans (educando e deleitando) ou expôs os males da humanidade – sobretudo os da pequena humanidade com que convivia, feita de brancos e índios, criticados e louvados sem discriminação.
De cerca de 1561 até ao ano de sua morte, 1597, Anchieta escreveu 12 autos, dos quais ficaram textos completos ou fragmentários. Destes, dois são trilingues, quatro bilingues, os outros seis monolingues – três em tupi, dois em espanhol e um em português. O tupi está em oito autos, o português em sete e o espanhol em cinco. Das três línguas, o tupi é a mais empregada em número de autos e de versos. Isso se explica facilmente: os “atores” e os ouvintes eram predominantemente índios; a eles se dirigia em especial a mensagem do autor.
Como chegaram até nós esses textos? O padre Armando Cardoso, jesuíta, na Apresentação do seu Teatro de Anchieta, de 1977, diz que dispôs de cópias fotográficas do Opúsculo Poético 24 do Arquivo Romano da Companhia de Jesus, trazidas para o Brasil por um padre da Companhia, e compulsou, em Roma, o próprio livro de Anchieta, podendo estudar como se uniram seus caderninhos, autógrafos e apógrafos, em um volume. Em 1947, essas cópias tinham sido cedidas à tupinóloga Maria de Lourdes de Paula Martins, que, em 1954, editou a obra completa de Anchieta, traduzindo os textos tupis.