Doces memórias, tristes lembranças
01/04/2014 11:59
Arthur Macedo e Davi Barros / Fotos: Acervo do Núcleo de Memória da PUC-Rio / Foto 1: Antônio Alburquerque / Foto 2: Alfredo Jefferson de Oliveira

Ditadura: Universidade acolheu professores oriundos de outras instituições que foram cassados

Palestra de Luís Carlos Prestes na na sala 506-K. Na plateia, os professores Silvio Tendler e Graça Salgado
31 de março de 1964. Um grupo pequeno de pais de alunos foi até o campus da PUC, durante a noite, armado com espingardas e revólveres a fim de defender a Universidade de uma possível invasão comunista. Na época aluno do curso de Economia, o Vice-Reitor Comunitário, professor Augusto Sampaio, presenciou o acontecimento, e foi testemunha de outros tantos que ocorreram durante a ditadura militar brasileira.

Augusto Sampaio relembra os papéis desempenhados pela PUC para ajudar pessoas prejudicadas pelo golpe. Para ele, o mais importante feito da Universidade foi o acolhimento dos professores expulsos de cargos nas faculdades públicas.

– Eu acho que o papel mais bonito da PUC foi primeiro abrir as portas para os professores cassados das outras universidades. Isso foi um gesto bonito. As pessoas cassadas se viam, de repente, impossibilitadas de exercer sua profissão e a PUC abriu as portas para esses docentes. Ela já ficou mal vista aí pelas autoridades – lembra.

Para Sílvio Tendler, professor do Departamento de Comunicação e cineasta, a PUC sempre foi considerada um “oásis” dentro da ditadura, ainda mais depois da acolhida aos professores cassados. Tendler, que estudou Direito e Comunicação na Universidade nos anos de 1969 e 1970, conta como era o clima da sociedade e da PUC naquela época.

– Eu vivi grandes porres e grandes noitadas. Apesar da ditadura, a gente se divertia. Mas vivi momentos de terror, em que andávamos na rua e um carro da polícia começava a andar devagar do seu lado, e morríamos de medo. Você tinha medo de carregar certos livros na rua que falassem de marxismo, por exemplo. Em 1977, 1978, ainda era ditadura, mas era um clima menos barra pesada. Já havia muitas manifestações estudantis e o clima era menos tenso. A PUC sempre foi um ponto de encontro da democracia – afirma.

Augusto Sampaio comenta sobre padre Belisário Velloso, Reitor da Universidade entre os anos de 1972 e 1976, pessoa fundamental na resistência da PUC frente ao regime militar.

 – A Reitoria da Universidade sabia que não podia soltar ninguém. Naquela época, quando alguém era preso, sendo aluno ou professor, o Reitor ia ao DOI-Codi para dizer o seguinte: ‘Olha, nós sabemos que fulano está preso’. Não era para soltar, porque eles não soltavam ninguém, mas era para mandar uma mensagem. Queria dizer ‘você é responsável por essa vida’. Foi uma das ações da Universidade mais contundentes, tentando minimizar as consequências – diz.

Apuração dos votos para as eleições da UNE. Ginásio da PUC-Rio. 1979.

O professor crê que os momentos mais emocionantes daquela época eram os shows realizados por grandes personalidades da música, como Chico Buarque e Caetano Veloso. Os encontros lotavam o ginásio da Universidade, que ficava onde hoje está a Igreja Sagrado Coração de Jesus.

– Tínhamos momentos de uma tensão alegre. Havia shows aqui na PUC que a gente participava. O Chico Buarque veio cantar uma vez aqui, mas não podia cantar músicas censuradas. Ele chegou, o ginásio estava lotado, e a primeira coisa que ele viu foi todo mundo com um cálice na mão. E a música Cálice era proibida – recorda.

A morte de Raul Amaro, ex-aluno de Engenharia da PUC, foi outro momento marcante lembrado por Augusto Sampaio. O carro de Amaro foi parado, no bairro do Leme, por policiais que o prenderam após perceberem que a carteira de identidade do estudante estava ilegível. Raul morreu 11 dias depois, vítima de tortura, no quartel da Polícia do Exército, na Tijuca.

Tendler afirma que, mesmo no fim do regime, havia medos. O professor cita o episódio no qual ele e Graça Salgado, professora do Departamento de História, enfrentaram o desafio de convidar o ex-senador Luís Carlos Prestes para dar uma aula na sala 506-K.

– A gente passou um filme de cinco minutos, era um pretexto para o convite. Nós enchemos a sala de alunos, foi lindo. Foi incrível a gente trazer o Prestes para cá em plena ditadura – pensa.

O jornalista e ex-professor do Departamento de Comunicação Álvaro Caldas, preso e torturado na época, conta como foi a experiência de dar aula na PUC após o regime.

– Foi muito boa e favorável. Dei aula na Universidade por muito tempo e sempre fiz questão de contar minha história aos meus alunos. Eles abriam os olhos, curiosos. Ficavam interessados – lembra.

O cineasta e ex-estudante de Direito na PUC Cacá Diegues ressalta que, apesar de ser doloroso recordar os acontecimentos do período, é importante recontar os fatos para que não voltem a se repetir.

– A principal importância é a de lembrar às novas gerações que nunca mais podemos deixar que isso aconteça de novo no Brasil. A ditadura militar não foi só uma negra noite política e cultural, mas também existencial. Vivemos nossa juventude sem liberdade para pensar e agir, foram os anos mais tristes de minha vida – pontua.

Augusto Sampaio afirma ter assistido a uma mudança. Segundo ele, ninguém poderia imaginar que algo pensado para gerar a ordem acabasse por propagar o caos.

– As pessoas não imaginam o que é você ter medo de falar. Hoje, as pessoas não têm noção de como é bom ter liberdade, falar, protestar, poder expressar o que pensa e discordar – conclui.

Edição 279

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