O terceiro dia do “Planet Under Pressure”, em Londres, levantou o debate sobre o papel da igualdade e a equidade na governança para uma sustentabilidade global. O primeiro palestrante, Richard Wilkinson, professor da University of Nottinghan, da University College London e da University of York, no Reino Unido, falou sobre o tema da desigualdade na grande escala global, centrando na qualidade de vida e mostrando que é possível ter uma política de emissão de gases, sem que necessariamente se modifique a estrutura da socioeconomica e, portanto, o grande problema da desigualdade.
Visando ir além dos indicadores de crescimento de produto bruto per capta, o historiador e epidemiologista construiu um conjunto de elementos críticos apontando para a centralidade da variável igualdade como a definidora da qualidade de vida nas democracias existentes. O professor comparou países que integram a Organização para Cooperação de Desenvolvimento Econômico (OCDE) e mostrou a relação entre as variáveis de qualidade de vida, de desenvolvimento de estratégias de acesso e de políticas de igualdade. Segundo ele, mesmo com um baixo crescimento destes países na atualidade, a violência, o abuso de drogas, a desnutrição e vários outros problemas são menos intensos nos países em que há a valorização do espaço comum e público.
O professor destaca o contraste entre esse perfil social e as práticas consumistas, que intensificam a desigualdade e o aquecimento global com efeitos diretos e indiretos da emissão de gases e outros poluentes dos seus territórios ou em países em desenvolvimento. Para indicar os equívocos derivados de uma visão de competitividade e consumismo, supostamente mais favorável para enfrentar os desafios do desenvolvimento sustentável, Wilkinson apresentou um curioso indicador: a relação entre o uso de bicicletas no transporte cotidiano com a qualidade de vida nas democracias desenvolvidas, enquanto um fator de bem-estar social e desenvolvimento sustentável, mais do que o indicador de renda.
Mamphela Ramphele, ex-diretora do Banco Mundial, falou sobre a opressão e os traumas dos regimes e das diferentes formas de violência, que afetam os países em desenvolvimento. Segundo ela, as violências institucionais e sociais são as principais fontes de produção de problemas, e obstáculo para a construção de uma cidadania ativa. Na condição de mulher sul-africana, Ramphele enfatizou os limites subjetivos e a amplitude do trauma que geram as experiências históricas recentes de vítimas e agressores que produziram esse obstáculo para o ativismo social. As memórias e cicatrizes desse processo de brutalidade limitam a criatividade e a transformação social e ambiental.
Encerrando as plenárias da manhã, Laurence Tubiana, diretora do Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Relações Internacionais da França, fez um balanço do precário desenvolvimento de elementos para a formação de uma autoridade legítima por parte de governos e da comunidade científica, de modo a exercitar o indispensável requisito de uma liderança efetivamente global. Tubiana refletiu sobre a governança voltada para ações de interesses de toda a humanidade na realização da Agenda 21, esboçada na ECO 92, ou seja, para ela, vinte anos após a Conferência de Cúpula do Rio, faltam as condições básicas de liderança e protagonismo para sustentar uma institucionalidade que lide com as emergências globais.
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Dsesafios para o progresso
- Centralidade da igualdade
“Esse é o eixo decisivo que pode produzir a correta articulação entre a agenda do desenvolvimento sustentável e os desafios e demandas dos países em desenvolvimento. Formular claramente objetivos de igualdade por políticas de acesso a bens comuns gera efeitos de inversão de prioridades como seria, por exemplo, a criação de uma política de transportes públicos em relação às cidades dominadas pelo automóvel.”
- Trauma e brutalidade
“O tema da subjetividade, como o marcado pela memória da opressão, da guerra, da tortura e da segregação afeta a África, a América Latina, grande parte da Ásia e, mesmo, parte da Europa. Elaborar cultural e politicamente a questão do sofrimento é uma das chaves para superar o elo entre a segregação e a desigualdade, que alimentam as políticas favoráveis à uma maior concentração de renda, ao consumismo e ao individualismo.”
- Governança e liderança
“Os temas da liderança e da legitimidade não poderão ser construídos apenas a partir de um grande acordo das elites globais. Para lidar com eles é preciso gerar compromissos sociais e políticos amplos envolvendo mobilizações das sociedades e dos povos. O que requer mecanismos de consulta para a adequação das políticas de desenvolvimento sustentável, envolvendo os atores políticos interessados nos planos local, nacional e global.”
Plantão - Edição 253