Foi no Lins de Vasconcelos, no Méier, em uma casa antiga, pequena, com grande quintal arborizado, na década de 50, que um grupo de famílias negras bem sucedidas resolveu criar um espaço social próprio, o Renascença Clube. Nem samba, nem capoeira: concursos de Miss Guanabara, Brasil e Universo, festas que se assemelhavam aos grandes bailes de época dos brancos e saraus de literatura faziam parte da programação do sofisticado salão da Zona Norte. A professora Sonia Maria Giacomini, do Departamento de Sociologia e Política da PUC-Rio, autora do livro A alma da festa – Família, etnicidade e projetos num clube social da Zona Norte do Rio de Janeiro, o Renascença Clube, define em sua obra a ambigüidade da sociedade brasileira ao caracterizar o negro.
– A imprensa vai dizer que Renascença Clube faz "shows de mulatas". Não é que o Renascença faça isso, e sim o faz com o mesmo intuito dos demais clubes, como o Tijuca e o Fluminense, ou seja, promove concursos para tirar a sua miss, explica.
Originalmente tese de doutorado em Sociologia, e ganhadora do Prêmio Iuperj em 2005, A alma das festas reproduz a insistência de Sonia em estudar a realidade da mulher negra. Foi em 1978, iniciada em seu curso de graduação, na Universidade de Paris VII, que estimulada pela militância feminista, começou seu trabalho de final de curso sobre "A condição feminina no mercado de trabalho no Brasil". Com o foco na categoria da mulata, Sonia mergulhou na sua história e estereotipo de "sexualidade exacerbada". Em seu estudo para a dissertação de mestrado, entrevistas com freqüentadores do Renascença Clube apontaram o salão como um modelo recrutador de mulatas ideais. No final de 1988, Sonia visitou o Renascença Clube e entrou em contato com a Noite da Beleza Negra.
No projeto inicial do Renascença Clube, os objetivos dos negros de classe média era se afastar a todo o custo dos rótulos e estigmas da escravidão. "Há a tentativa de reverter o estereótipo do negro rude, mais ligado com a natureza do que com a cultura", esclarece Sonia. Segundo ela, os negros intelectuais tinham "uma tremenda fascinação pelos clubes brancos". Tanto é que resolveram imitá-los. Mas a única diferença dos demais, ressalta Sonia, é que os negros não eram aceitos, apesar de deterem a mesma "identidade de classe", o mesmo gosto refinado pela música e literatura, vestimentas iguais e mesmo poder aquisitivo que os brancos.
O projeto do sofisticado salão dos anos 50 foi criado com o intuito de disponibilizar aos negros de classe média um espaço social próprio, no qual pudessem estar livres de constrangimentos e pressões. Nos anos 70, o salão mudou de lugar e projeto. Situado então no Andaraí, o salão ficou conhecido como "clube das mulatas" por seus concursos de Miss Guanabara, Miss Brasil e Miss Universo. Hoje, as formas e estruturas de lazer são diferentes. "Agora, tem o samba do trabalhador que é tocado por gente muito boa. Tudo é mais diversificado e há vários espaços", diz Sonia. Para ela, quando alguém pensa que o clube irá morrer, ele se renova e renasce.
Edição 184