Não só o Jardim Botânico, o Banco do Brasil ou a Academia de Belas Artes são marcas deixadas pela chegada da Família Real ao Brasil, em 1808. Hoje, descendentes de uma nobreza que, há 200 anos, saiu de Portugal com Dom João VI, são a memória viva dessa época não tão distante. Histórias vividas e contadas de pais para filhos e objetos preservados por diversas gerações resgatam o período da realeza brasileira.
Eduardo André Chaves Nedehf, ou melhor, o quinto Marquês de Viana, guarda no apartamento onde mora, em Botafogo, relíquias como o diário de bordo original da viagem da Corte Portuguesa e terrinas de barro e prata, onde eram servidos água e vinho nas capelas das naus. Formado em História pela PUC-Rio, em 1990, o marquês, que herdou o título do tetravô português, comandante das naus que escoltavam os navios de Dom João e sua família, coleciona casos curiosos sobre a viagem.
– Sobraram, nos cofres de Portugal, 84 milhões de contos, que eram o tesouro do país. Dom João não queria deixar nada para trás e nem contar aos ingleses sobre a existência desse erário. Na madrugada do dia 27 de novembro - dia em que a Família Real deixou a Europa - foram embarcados canhões nos navios de Portugal. Neles, estava escondido o tesouro. Foi com esse dinheiro que, ao chegar aqui, Dom João abriu o Banco do Brasil, conta Nedehf, que, por parte de mãe, é tetraneto do grande empresário e político brasileiro, o Visconde de Mauá.
Alguns membros da antiga nobreza organizam exposições, palestras e encontros que visam aprofundar as pesquisas e discussões sobre o tema. Nelas, está sempre presente Christovão Dias de Ávila Pires Júnior, trineto do Barão da Torre e sobrinho-trineto do Visconde de Pirajá e do Barão de Jaguaribe. Em sua casa, em Copacabana, ele montou um verdadeiro museu onde ficam guardados brasões, quadros, fotos, livros e revistas especializadas no assunto. Professor de Arquitetura, no curso de Engenharia da PUC, entre 1975 e 1980, Christovão também dá aula em matéria de nobreza histórica:
– No Brasil, existem os descendentes de nobres europeus, como o Conde de Wilson e o Marquês de Viana, e os da nobreza brasileira, constituída na época do Império. Os títulos adquiridos aqui no país, por brasileiros, não são de sucessão, enquanto os dos europeus passam para gerações seguintes. Por isso que, aqui, não existe mais nenhum titular vivo. Sou descendente do primeiro titular do Império do Brasil, o Barão da Torre, e esse título não é de sucessão.
Valores eternos
Uma foto, e nela um neto sentado no colo da avó. Seria um retrato comum, não fossem os retratados a Princesa Isabel e o pai de Alberto Maria José João Miguel Gabriel Rafael Gonzaga de Orleans e Bragança. A lembrança, que Dom Alberto guarda em casa, evidencia o pequeno espaço de tempo que separa a monarquia brasileira e os dias de hoje. Nesse curto período, muita coisa mudou.
– Ser nobre, propriamente dito, não implica qualquer diferença no Brasil. Até porque a nobreza, em termos jurídicos, não existe. Nós temos um tremendo respeito pela nossa origem e orgulho dos antepassados, mas, para a vida atual, isso não faz diferença, afirma o advogado, que faz parte da terceira geração de descendentes da Família Real, após a Proclamação da República, em 1889.
Fotos, pratarias e pratos à parte, Dom Alberto e sua família não têm nenhum costume que seja passado de geração para geração. Somente a tradição religiosa de colocar oito ou dez nomes antes do curto sobrenome: Orleans e Bragança.
– Maria e José vêm dos pais de Jesus. João porque eu nasci na véspera de São João. Miguel, Gabriel e Rafael vêm dos arcanjos e o Gonzaga é o padroeiro da família. Essa é uma tradição nossa e eu acho legal, explica o herdeiro da Família Real, que também colocou um nome grande no filho Pedro Alberto, estudante de Engenharia na PUC.
Quando o assunto discutido é política, tanto Dom Alberto quanto o Marquês de Viana não opinam. Christovão de Ávila arrisca: "Sou a favor de coisas sérias, e a monarquia, no Brasil, em princípio, deveria ser séria". A antiga nobreza brasileira pode não mais existir, mas os valores deixados por ela perduram até hoje.
– Ser nobre não é apenas ter um brasão para mostrar e, sim, ter atitudes coerentes e saber conviver com as pessoas. A nobreza está na cortesia e na caridade, define o Marquês de Viana.
Edição 195