Agora é que são elas
06/10/2017 15:18
Julia Carvalho e Lethicia Amâncio

Mulheres buscam maior participação no mundo das ciências exatas, que até pouco tempo tinham profissões quase que exclusivamente formadas por homens. Apesar do crescimento, a presença feminina ainda é tímida nas engenharias, por exemplo

O apoio da família e de professores é fundamental para uma maior participação das mulheres na área. Foto: Matheus Aguiar 

O número de mulheres em carreiras que, até pouco tempo, eram predominantemente masculinas, tem crescido nos últimos anos. Cada vez mais, elas têm conquistado espaço e buscado se inserir em áreas como engenharia, matemática e química, historicamente ocupadas por homens e, até mesmo, pontuadas como “coisas de meninos”. Mas os números ainda mostram a pouca presença feminina nesses campos. Na Olimpíada Internacional de Matemática (IMO), realizada este ano no Rio de Janeiro, do total de 623 inscritos, apenas 65 eram meninas. Em 2016, houve o recorde de competidoras inscritas na IMO, com 71 meninas em um total de 602 competidores.

Na PUC, entre os 303 professores do Centro Técnico Científico (CTC), apenas 71 são mulheres, o que corresponde a 23% do quadro docente. O corpo discente segue a porcentagem. Dos 4.400 alunos do CTC, 1.012 são meninas. Diretora do Departamento de Engenharia Elétrica, Marley Velasco é a única mulher do grupo de docentes. Para ela, a pouca presença feminina nas engenharias, por exemplo, é um problema histórico. Marley afirma que a sociedade incutiu na cabeça das mulheres que elas têm um perfil mais social, não um “bruto” para as engenharias, por isso a mulher se sente mais cobrada.

– Para a mulher ganhar igual ao homem, ela precisa ser melhor do que ele, e isso é frustrante porque ninguém é melhor em tudo sempre.

Para a professora Branca Vianna, do curso de Formação de Intérpretes da Coordenação Central de Extensão (CCE), a sociedade impõe um perfil emotivo e cuidadoso para as meninas desde cedo e cria um falso mito que a racionalidade é coisa de homem. Branca, que é uma das fundadoras do Serrapilheira, organização privada que investe em pesquisas científicas, afirma ainda já ter visto casos de meninas que têm inclinação para as exatas e que sofreram preconceito ou foram excluídas.

– É difícil ser a única mulher. Estigmas de que matemática é coisa de menina feia ou que não tem namorado, para uma criança de 12 anos, é complicado superar.

Criado para incentivar a participação de meninas nas Olimpíadas de Matemática, o prêmio IMPA Meninas Olímpicas 2017 foi dado pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) para a melhor competidora da IMO de cada continente. A colombiana Carolina Ortega, uma das vencedoras do prêmio e aluna do Massachusetts Institute of Technology (MIT), reconhece que o número de mulheres em competições é pequeno e desproporcional. Ela acredita que é um processo lento, mas tem esperanças de que, no futuro, mais mulheres participem das competições.

 

Bianca Vianna faz parte da mesa-redonda sobre diversidade da matemática na IMO 2017. Foto: Bruno de Lima/R2

Branca relata que, no inicio da graduação, o números de mulheres em áreas exatas é mais equilibrado, porém, conforme elas vão avançando na vida acadêmica, os dados diminuem. Para a professora, a maternidade e os casos de assédio sexual, são algumas justificativas relatadas para a desistência de grande parte das cientistas que pretendiam seguir carreira após a gradução ou oportunidades internacionais.

–É muito importante para o pesquisador ter uma experiência internacional, porém, a mobilidade das mulheres é menor do que a dos homens. Elas, geralmente, fazem doutorado e mestrado no país de origem. O caso se dá, na maioria das vezes, por questões familiares ou afetivas. Algumas mulheres, ao receber uma bolsa de doutorado fora do país, declinam da chance porque o companheiro não aceita a situação – explica Branca.

A aluna de 4º período de Engenharia Mecânica Giovanna Tassinari relata que estar em um ambiente predominantemente masculino é muitas vezes intimidador. Ela afirma que piadas infantis ainda ocorrem com muita frequência, e que isso pode desestimular.

– Agora está cada vez melhor, mas ainda ocorre. As pessoas agem de uma maneira muito sutil, e às vezes elas não percebem ou acham que é coisa da nossa cabeça. É estranho estar em uma sala de 40 alunos onde apenas duas são mulheres. Por outro lado, você se sente mais fortalecida. Eu sou tão capaz quanto eles. Fico muito feliz de falar que faço engenharia mecânica, que posso ser melhor que todos eles. É um empoderamento feminino que eu adoro e acho necessário.

Já para Larissa de Paiva, aluna de 5º período de Engenharia Elétrica, a recepção das mulheres no mundo das exatas não é mais intimidadora. Na equipe de AeroDesing da PUC, onde é capitã, Larissa conta que a relação com os outros participantes, a maioria homens, é respeitosa e igualitária.

– Nunca senti nenhuma discriminação. Quando eu entrei no AeroDesign tinham duas mulheres, hoje já somos quatro. Meus professores são bem divididos também, tem várias mulheres na graduação. Nunca sofri resistência para conseguir ser capitã. Pelo contrário, as pessoas queriam que eu me tornasse.

Professora do Departamento de Química e gerente da Central Analítica da Universidade, Gisele Birman trabalha na área de Ciências desde 1989. Ela conta que, nos locais em que já trabalhou, sempre teve uma presença expressiva de mulheres, algo que ela não considera comum na área de engenharia. Gisele afirma nunca ter sofrido algum tipo de preconceito e que sempre teve apoio da família para seguir na carreira.

– Vim de uma família na qual as mulheres podiam ser independentes . Chamo isso de autoridade interna. Eu achava que aquele lugar na Ciência era meu, com muita propriedade, saber e estudo. Cada lugar que alcancei foi independente do gênero, foi por competência própria.

Gisele se considera uma “incentivadora” das mulheres na Universidade. Segundo ela, o número de meninos que ingressam nos cursos de engenharia, por exemplo, ainda é maior que o de meninas. De acordo com a professora, as alunas têm buscado mais as engenharias novas, como a de Produção ou Ambiental, enquanto as turmas de engenharias tradicionais são de maioria masculina.

– O que percebo, na disciplina de Química Geral, em que os alunos são calouros, é a hegemonia de homens. Eu tenho uma turma só com duas meninas. Acho que as mulheres não optam por profissões que, ainda na nossa sociedade, são de maioria masculinas. São poucas as que escolhem.

Para reverter esse quadro, Gisele acredita que o apoio das professoras é importante. Ela tenta passar para as alunas a ideia de que trabalhar na área de exatas é viável, o que quebra o tabu de que a mulher não pode estar nos laboratórios ou nas engenharias.

–Eu incentivo as alunas e mostro que esse mundo precisa ser experimentado para que ele não continue inalcançável, imutável.

As melhores competidoras de cada continente ganharam o prêmio IMPA Mulheres Olímpicas na IMO 2017. Foto: Bruno de Lima/R2

Coordenadora do Serviço de Orientação Profissional do Núcleo de Orientação e Atendimento Psicopedagógico (NOAP), professora Elisa Almeida, do Departamento de Educação, acredita que com a luta da mulher, essas questões de estereótipo têm mudado, mesmo que devagar. Elisa cita que, por muito tempo, foi propagada a imagem do homem como o provedor e da mulher apenas como a cuidadora, que sempre fica em casa, responsável por cuidar do lar, dos filhos, da família e dos idosos.

– Em aula, me perguntaram sobre essa questão. Não existe nada cientifico que prove, é cultural. Essa é a forma como a sociedade separa os gêneros. Por isso, se acredita que o homem é forte, tem pensamento lógico racional, e que a mulher não tem pensamento lógico e gosta de falar muito. Por essa razão, essa dicotomia cultural estimula, desde cedo, que as meninas busquem outras áreas fora das exatas – explica Elisa.

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